As fotos


"O que você está filmando aí cara?". Já explico este questionamento feito de forma um tanto quanto violenta.

Final de tarde de sábado, 5 de dezembro. O tempo na região está em dúvida: sol ou nuvens? Possibilidade de chuva rápida no fim do período? A conferir.

Como estou sob efeito de antialérgico que age no sistema nervoso central, o desânimo bate forte. É aquela rinite revoltada que me persegue provavelmente de outras vidas. Acredito que terei de renascer algumas vezes, seguindo a roda budista das reencarnações, para ficar livre dela. É possível que eu tenha sido um soldado sob o comando do general mongol Gengis Khan, "o flagelo de Deus". Se for, haja vidas e rinites pra pagar os pecados. 

Com a prostração supracitada a melhor distração é ficar deitado mesmo, assistindo filmes e séries. De preferência que não exijam uma atenção muito focada. Ou lendo uma leve autobiografia de algum músico que eu seja fã. No caso, do inglês Geezer Butler, baixista e letrista da grupo Black Sabbath. Mas eis que me surge a vontade de escrever um pouco, o que é estranho, considerando o estado físico e mental. Levanto e vou até o Notebook que está localizado no pequeno escritório que fica anexo à sala. Desisto no meio do corredor e retorno.

Mas a vontade de contar um pequeno caso recente permanece e me lembro do celular ao lado da cama. Sim, com paciência e tempo dá pra escrever na telinha e ainda faço companhia para minha esposa, que também não está muito bem.

Na semana passada fui convocado para participar de um congresso em Brasília. Era meio que um bate-volta (devido ao controle rígido das finanças) muito cansativo mas que compensava por se tratar de tema extremamente importante relativo ao plano de saúde da categoria. Além disso era uma oportunidade única de conhecer Brasília,  mesmo que rapidamente. Na verdade havia,  literalmente, passado por lá há décadas. No início dos anos 80, retornando para o curso em Aracaju, só encontrei passagem para um voo que passava por BH e depois conexão de algumas horas no DF. Nada mal. Explico: se você não tivesse com pressa, valia a pena "passear de avião" (no caso o valor era até mais em conta). Era servido almoço e jantar e bebidas a vontade: cerveja, vinho e até whisky! Ora direis, "mas a passagem era cara" e eu vos direi no entanto "e atualmente é barata?" A embalagem daquele biscoito de 30 g é mais cara que o conteúdo. Esses dias uma moça viajando ao meu lado levou lanche. Daqui a pouco, em viagens mais longas, vão levar frango e farofa! O que não é má ideia. Voltando àquela viagem, aproveitei o intervalo entre os voos, peguei um táxi e rodei, vendo os edifícios palácios. Voltei à tempo de ver o por do sol do planalto central em um mirante que tinha no aeroporto. E só. 

Mas vamos aos fatos & fotos lá do início - desconfio que me perdi no meio do caminho da crônica, provavelmente efeito do anti-histamínico, um combo de maleato de bronfeniramina 15mg e cloridrato de fenilefrina 12mg em comprimidos revestidos de liberação prolongada. 

Como resido a quase 300 km do Rio e o voo sairia do Galeão às 6 da matina, o jeito foi pernoitar na capital do estado. Um hotel no centro facilitaria as coisas. Fiquei na esquina da Presidente Vargas com Rio Branco. Cheguei no início da tarde, daria pra ir no Museu do Amanhã e no M.A.R. ali pertinho. Aliás naquela aérea central tem muita coisa pra ver, mesmo se vc ficar 1 semana, sobretudo se gosta de prédios históricos e centros culturais. A exposição Experiência Lumisphere traz "uma vivência imersiva em cúpulas que convida à reflexão sobre sustentabilidade e construção de futuros desejados". Literalmente viajante. Expressamente proibido filmar e tirar fotos. Lógico que filmei e fotografei no escuro da incrível exibição. Essa história de andar com celular registrando as coisas, não é modismo para mim. Comecei lá em 1979 com uma câmera descartável que a Kodak lançou para o povo pobre que não tinha grana pra comprar uma Olimpus Trip. Chamava-se "Xereta". De plástico. Vinha com filme de 12 fotos. Vc usava e entregava a máquina para revelar. Com as fotos reveladas ganhávamos outra Xereta. Enfim, essas coisas de imagem sempre me acompanharam. Igual a música. Onde estou tem sons também. Minha filha Marina Costa, uma incrível fotógrafa profissional, herdou essas coisas de mim. Também meu filho Vinícius, sobretudo na música, com detalhe que ele evoluiu e é instrumentista também. 

Ao fim, resolvi tomar o caminho de um lugar que tem muita história e que eu não conhecia,  a Pedra do Sal. Área muito interessante do centro, bairros da Gamboa e Saúde. No caminho, o Largo da Prainha, cheio de bares cervejeiros. No Largo perguntei a um garçom onde era a Pedra. Pertinho: só seguir uma travessa ali ao lado que já chegava lá, em uma das subidas do Morro da Conceição. 

A estreita Rua São Francisco da Prainha deve ter uns 200 metros, sai do Largo e encontra a Rua Tia Ciata. Chão de paralelepípedo e casas antigas. A tarde daquela quinta-feira já caía e não havia viva alma, a não ser um grupo de pessoas mais à frente que eu não distinguia bem por estarem atrás de carros estacionados. É claro que eu saquei do celular para registrar aquele tipo antigo de vila aberta, em que pesasse um certo ar de abandono que começa a melhorar aos poucos.

Eis que, do nada, enquanto estava lentamente movimentando o smarthphone, ouço uma voz vinda de trás: "O que que vc está filmando aí cara?" Me virei calmamente. Era um jovem de bicicleta, camisa do flamengo e bermuda, me questionando. Provavelmente com idade entre 16 e 20 anos.

Seguiu-se um diálogo que, não sei porque diabos, eu resolvi ter com ele.

- Ué, estou filmado e fotografando a rua e as casas.

- Não pode!

- Não pode porque? Qual o problema?

- Porque vc tá fotografando meus camaradas ali.

- Rapaz eu nem vi seus camaradas. Quero fotografar e filmar as ruas e casas.

- Vc filmou eles. Não pode. Apaga.

- Apagar o que? Isso aqui é uma área turística, eu vim na Pedra do Sal!

- Então vc filma a partir daquela esquina, depois que passar eles. Antes não pode. Apaga.

- Rapaz, pra não ter problema vou apagar mas vc tá errado. Olha aqui.

Mostrei a ele as fotos e filmagens que não davam pra reconhecer os "camaradas dele" mas, como estava irredutível, eu concordei. Marquei os registros e joguei na lixeira. Ou seja, não apaguei. Ele ficou satisfeito montou na bicicleta e voltou para seu ponto de observação.

Segui. Passei perto da galera e foi tudo bem.

Retornei por outro caminho para passar no Santuário Arquidiocesano de Santa Rita, ali em frente ao Beco da Sardinha. Exatamente na hora da missa das 18 horas. Entrei. Rezei um pouco e só quando estava ouvindo o badalar dos sinos é que me dei conta da besteira que foi ficar discutindo com o dono da área em uma rua deserta. Eu não tinha bebido nada nem tomado medicamento que atua no sistema nervoso central. PQP! Desculpe eu estava na igreja. Mas onde eu estava com a cabeça naquela hora? Acho que o sujeito ficou até surpreso com minha reação questionadora. 

Já escurecia. Precisava ir pro hotel me recolher cedo pois acordaria no outro dia às três da madrugada.  De surpresa, na calçada da Presidente Vargas, me encontro com o amigo André, companheiro de viagem que havia acabado de chegar de outra cidade. "Marquinho vem comigo. Quero te levar em um lugar incrível que você não conhece". "Rapaz, tô cansado". "Que nada, vc vai adorar". E lá fomos nós, junto com o outro amigo Cabral. Casa Paladino, na esquina da Rua da Uruguaiana com a Marechal Floriano. Botequim tradicional inaugurado em 1906. Lugar incrível, aquele tipo de ambiente que não se encontra mais. Comi um sanduíche de pão francês com pastrami (um tipo de presunto), picles e queijo gorgonzola acompanhado de um fantástico chope preto. Enquanto conversávamos com os amigáveis garçons pensei que poderia não estar ali naquele momento. Não comentei sobre o acontecido com ninguém. Até hoje.

Dia seguinte acordo às 3. Em Brasília tentaria o feito mal sucedido de me encontrar com Lula e Alexandre de Moraes. Mas isso é história pra outro dia. Tá na hora do remédio. O antialérgico. O psiquiátrico é na hora de dormir.

Postado por Marcos Oliveira 

Comentários

  1. Rapaz, vc está voltando pra fase de adolescente brigão? Rararara Sem brincadeira, aquela área não é muito perigosa mas tem de ter cuidado. Se cuida jovem!

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    1. Verdade. Bom de ir ali é quando tem samba às sextas e segunda. No sábado à tarde fica bom no Largo, lota! Mas foi a primeira vez que fui. E quase me ferro! 😁

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