Finados?

Já escrevi aqui ou, anteriormente, no Blog do Luiz Felipe Muniz, minha atração por casas antigas interessantes. Seja por sua arquitetura, seja pelas histórias que ali aconteceram e que inspiram a imaginação.

Hoje aconteceu algo assim. E não foi pelo aspecto de construção ou conservação. Trata-se de uma casa relativamente simples onde funciona uma "Associação de Ex-Combatentes do Brasil Seção Campos - RJ". Quer dizer não sei se funciona ainda mas ela está lá.

Fiz as contas. Imaginemos um soldado que tinha 20 anos em 1945, fim da Segunda Guerra. Ele estará agora com 98 anos. Não devem existir muitos remanescentes, convenhamos. Me lembro que em minha infância e adolescência, no dia 7 de setembro, era comum ver desfilarem essas associações, dos "pracinhas" que foram lutar na Itália. Hoje não mais.

A bem da verdade eu observo este local há muitos anos. Uma vez por ano. É que hoje, finados, fomos eu e minha esposa ao cemitério render homenagens aos nossos entes queridos que já se foram. Eu costumo estacionar o carro sempre no mesmo lugar, mais afastado por causa do movimento. E é sempre perto desta casa. E sempre me vejo imaginando as histórias que passaram por ali. Hoje não resisti. Parei e fotografei. E continuamos no nosso rumo.

Neste caminhar e mesmo já no interior do que se chamava antigamente de campo-santo uma outra temática costuma me assaltar. Tenho muitos amigos religiosos e outro tanto de ateus convictos. Costumo fazer um jogo mental, na verdade uma brincadeira com as duas correntes. Imaginando o que pode acontecer depois da partida, penso que os que tem fé em algo além, levam vantagem. Depois da morte, já no céu, poderão se virar para os ateus (sim, eles também vão pro céu) e dizer: "eu não falei?". Já o pobre ateu, se estiver certo e tudo se acabar no nada, na não existência, nunca poderá se vingar do religioso. Vai sacanear como se a consciência se foi?

Para quem pode estar se perguntando de que time faço parte, me lembro de uma entrevista em que o Ariano Suassuna cita uma poesia do Leandro Gomes de Barros (sobre o sentido da vida e Deus): "Se eu conversasse com Deus / Iria lhe perguntar: / Por que é que sofremos tanto / Quando viemos pra cá? / Que dívida é essa / Que a gente tem que morrer pra pagar?  Perguntaria também / Como é que ele é feito / Que não dorme, que não come / E assim vive satisfeito. / Por que foi que ele não fez / A gente do mesmo jeito?  Por que existem uns felizes / E outros que sofrem tanto? / Nascemos do mesmo jeito, / Moramos no mesmo canto. / Quem foi temperar o choro / E acabou salgando o pranto?". O entrevistador - o ótimo Antonio Abujamra - insistiu para o Ariano se posicionar, ao que ele responde: "Se eu não acreditasse em Deus eu seria um desesperado". É por aí. Nessa linha de pensamento é que entra a interrogação do título dessa frustrada tentativa de crônica. É que, para algumas correntes religiosas - dentre as milhares existentes - os mortos somos nós. Vida é para quem já partiu. Assim, hoje seria o dia dos vivos.

Ao retornarmos, paro outra vez na casa/associação. Tiro outra foto. Será que ainda acontecem reuniões de possíveis remanescentes ali? E tempos atrás? Conversavam tomando uma cerveja sobre como foi a retomada do Monte Castelo na Itália? Brincavam uns com os outros sobre travessuras juvenis do outro lado do Atlântico, ali por volta de 1945? E os que já se foram, estariam refletindo hoje, junto com os antigos inimigos, sobre a insanidade de qualquer guerra?

Atravessamos a rua em direção ao carro. Minha esposa retira da bolsa duas notas e dá para a linda e pequenina menina que ficou "tomando conta" do automóvel. É que uma comunidade carente faz fronteira com o cemitério e nesse dia eles tentam de alguma forma aliviar a situação difícil em que vivem. Me lembrei da poesia do Leandro Gomes de Barros. Liguei o carro, olhei outra vez para a casa. Me despedi. Até ano que vem! Se eu ainda estiver por aqui, é claro.

Comentários

  1. Oi .Marco. Gostei muitooooo! Ótima a poesia citada pelo Ariano.

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    1. Olá! Obrigado por pelas palavras. Que bom que gostou. A poesia realmente é ótima com seus questionamentos bem oportunos.

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  2. Belo relato. Morei perto dessa Associação. Ainda vi ex-combatentes desfilando no Sete de Setembro. Meu pai era até amigo de um, pois ele também foi militar, embora nunca tenha lutado em lugar nenhum. Minha tia, irmã dele, morreu levando o título de propriedade da sepultura da família, mas consegui regularizar tudo, chorando diante do retrato de minha avó querida no cemitério de Caju. Países que vivem em guerra terão sempre associações de ex-combatentes. Nesse caso, o Brasil precisa entrar em guerra. Se não sou ateu, também não tenho fortes convicções sobre o além. Sei que a morte se aproxima. O que vou fazer longe desse mundo que eu amo, embora esteja péssimo? Haverá alguém de mim para fazer essa pergunta depois da morte?

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    1. Olá Arthur Soffiati. Obrigado por enriquecer este espaço com seus relatos e considerações. Eu vi seu post no Face com as fotos de suas caminhadas pela cidade. Também gosto de caminhar observando ruas e casas, embora não faça isso com a frequencia devida. E essa Associação sempre me chamou atenção. Sobre sua pergunta, se encontrar alguém que a reponda, me indique! :) Grande abraço, saúde e muitos anos de vida!

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