As lembranças e o agora

Esta semana a Petrobras completou 70 anos, mais precisamente na terça-feira, 3 de outubro. Trabalhei na empresa exatos 50% deste tempo, 35 anos. Muita coisa pode ser tirada de você. Não sua história de vida. Trago comigo este orgulho.

Para este dia um evento de rua foi preparado por diversas entidades, no centro do Rio. Como estou a cinco horas do local, nosso sindicato (sim, os sindicatos conseguiram sobreviver a duras penas aos quatro anos do último governo) colocou ônibus à disposição de quem desejasse participar.

Além do evento comemorativo era também mais uma etapa de nossas reinvidicações de direitos subtraídos, sobretudo dos aposentados.

A programação era extensa, uma vez que a partir do prédio da Eletrobras iríamos caminhar até o Edifício Sede, onde seria realizado um ato repleto de discursos de homenagens e de luta em prol da empresa. Foi emocionante perceber que conseguimos parar o tráfego por onde passávamos devido ao grande números de pessoas ligadas à partidos, organizações sociais, sindicatos ou apenas ex-empregados. Um evento cívico inclusive com a participação de muitos jovens fazendo uma verdadeira festa no centro do Rio. Lindo de ver.

No ônibus em que nos deslocamos, cerca de 90% eram de aposentados. Alguns inclusive com problemas de locomoção mas que não se furtaram a enfrentar a maratona. Para eles foi montado um esquema para que não precisassem fazer a longa caminhada.

O percurso do onibus até o ponto de partida fez com que passássemos pela histórica Av. Presidente Vargas, que começa (ou termina) na Candelária. Olho para minha esquerda e lá está o prédio da Central do Brasil e toda sua história de mais de 160 anos. Automaticamente pego o celular e tiro a foto que ilustra esse texto.

Sem parar de admirar a paisagem viajo no tempo e me recordo dos longos trajetos que fazia do distante bairro de Cosmos, entre Campo Grande e Santa Cruz, até aquele ponto final do trem suburbano. Uma viagem de duas horas em média pois ele vinha parando em diversas estações da Zona Norte. Na minha infancia aquele trem era como uma espaçonave que nos transportava de um bucólico lugar cheio de áreas livres para a efervecência de um mundo grandioso de edifícios, gente e carros pretos. 

Normalmente tais deslocamentos eram relacionados à questão de saúde, pois era no centro da cidade que se localizava o Hospital dos Servidores do Estado (e que ainda está lá), um centro de excelência médica nos anos 60, criado na década de 40 para atender aos mandatários da República, uma vez que tratava-se da capital do Brasil. Meu pai era um funcionário público de baixo nível hierárquico (chamavam de barnabé) e este era um dos poucos "privilégios" que tínhamos, apesar da distância.

Naquele instante o relógio da Central com sua marcação temporal foi uma espécie de metáfora a uma sensação difícil de descrever. Do lado de fora minha infância me chamava de volta, saudosa. Mas, dentro do ônibus, as cadeiras tomadas por senhores em sua maioria de cabeças brancas me lembravam das inexoráveis mudanças na vida, rumo a finitude. Eu fui aquilo que aquela torre centenária me lembrava. Se uma sensação de melancolia chegou a se ensaiar ela foi logo substituída por uma atmosfera de contentamento e satisfação por estar ali, caminhando pelas mesmas ruas daquele centro, ao lado de jovens e idosos, paralisando a movimentação, os "camburões" da PM à frente fechando as transversais para que nada nos atrapalhasse. Os policiais fardados pareciam ter um respeito especial pelos mais velhos que ali se comportavam como ferrenhos ativistas de uma época de outrora que retornavam às suas origens.

Naquele momento em que eu estava ao lado de centenas de pessoas com quem eu me identificava emocionalmente não existia tempo. Apenas a luta por uma existência melhor para todos, enquanto por aqui estivermos, independente da idade, independente do momento da vida. Estar ali, reivindicando justiça e comemorando os 70 anos da Petrobras (criada 6 anos antes do meu nascimento) era acima de tudo estar plenamente vivo, com todos os desafios que isso representa. Ou, como diria o amigo Fenando Pessoa, não existe precisão absoluta no viver. 

Sigamos em frente.

Comentários

  1. Olá Marcos. É sempre um prazer ler suas crônicas. Nelas consigo vivenciar plenamente suas descrições. Acho isso muito interessante. Não sabia que vc era aposentado da Petrobras. Me senti presente na caminhada e consegui captar suas lembranças, já que também tenho as minhas. Parabéns!

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  2. Excelente! Imagino como essas lembranças foram importantes para você! E como é bom ter essas memórias!

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  3. Parabéns pela bela crônica!👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  4. Ler ou não ler, eis a questão! Lido e satisfeitíssimo! Thanks!

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