A tempestade na praia

Há mais de 20 anos, no verão, frequentamos um (já não tão) pequeno balneário (não se usa muito este termo atualmente). Uma pequena casa em uma pequena vila cujos outros veranistas são amigos de longa data.

Com a pandemia - e fugindo do calor da cidade de origem - ficamos por aqui, em uma espécie de retiro privilegiado devido à proximidade com o mar do qual todo nós gostamos muito. Em que pese o fato de ninguém da família consumir frutos do mar. Por culpa minha, acho. Mas isso é outra e curiosa história para contar em outro momento, preferencialmente distante da hora do almoço...

Ontem, por volta das 18 horas, resolvi dar uma caminhada na areia da praia. Sabia que se fizesse um trajeto de uns 20 minutos chegaria a um ponto ideal para um rápido mergulho. Um decreto municipal está em vigor proibindo a permanência na praia, mas não faz menção à impossibilidade de caminhar na areia. De qualquer forma, segunda-feira quase noite, não tinha praticamente ninguém mesmo. A não ser um grupo de jovens surfistas que pegam onda em um ponto específico, uma "curva" do oceano depois de umas pedras.

Assim que cheguei percebi, ao norte, a formação de belas nuvens Cumulonimbus que registrei com o celular. Hábito, aliás, que me faz levar o Smartphone pra todo canto: sempre tem uma coisa bela para fotografar, tanto no solo como no ar. As nuvens nunca se repetem, sobretudo no céu de outono sobre o mar infinito.

No destino previsto, dei o primeiro mergulho. Levanto a cabeça e levo um susto. Aquelas belas nuvens tinham se transformado em uma tempestade com raios para todo lado em poucos minutos. Rapidamente saio da água e tomo o rumo de volta. Temos aqui um problema. Eu tinha 20 minutos de caminhada pela frente, na areia, até chegar no meu ponto de partida e tomar o rumo de casa. Que estava na direção da tempestade, que avançava.

“Tenho que correr!”

A questão é que, com a pandemia, meu ritmo de atividade física diminuiu na mesma proporção que a barriga aumentou. Só percebi que o fôlego estava curto depois de cinco minutos correndo na areia fofa. No entanto os relâmpagos e trovões agiam como incentivadores do exercício aeróbico forçado, como se fossem excelentes personal trainers.

Não sei se por "hipo ou hiper ventilação cerebral", pensamentos aleatórios iam e vinham enquanto atravessava a extensa faixa. “Acho que é um castigo por ter vindo à praia na pandemia”. “Depois de toda essa quarentena, morrer – literalmente – na praia, com um raio que me partiu?”. “E eu nem tomei a vacina ainda, que não previne contra irresponsabilidades, como a de não observar a proximidade da tempestade”. “Por onde andam (ou nadam) os surfistas que aqui estavam há poucos minutos?”. “Não são 20 minutos, é uma eternidade!”.

Nuvens em forma de rolo se aproximavam. Dariam ótimas fotos que eu não perderia por nada, não fosse o fato do celular estar enrolado no short que eu segurava firmemente enquanto continuava desviando dos raios. Bem, há nítido exagero aqui. Desconsiderem. Afinal eu estava em pânico. E preciso justificar isso. Aliás, bem cômica a visão de um sujeito de 61 anos correndo molhado, de sunga na praia, desviando dos raios, tendo como trilha sonora “Missão Impossível”. Ainda bem que já havia escurecido. Quer dizer, nem tanto. Na noite os relâmpagos são mais assustadores ao refletirem no mar. Mais bonitos também, mas eu não considerei essa beleza. Precisava escapar ileso para fazer o Imposto de Renda.

Enfim cheguei são e salvo ao destino, como podem perceber ao lerem essa aventura. A não ser que tenha sido escrito via algum tipo de transmissão de outras esferas. Neste caso eu não percebi ainda.

É fato que resolvi fazer esta narrativa depois de ouvir a frase da música do Vinícius de Moraes: “são demais os perigos desta vida”. Mais perigos ainda nestes anos 20, da pandemia 19, que nos tem trazido tantas tristezas, perdas e preocupações. E revolta com o desgoverno central do país. Definitivamente os maiores perigos não estão nas praias desertas, ao cair da noite, com raios ao redor.

 

P.S.: "A falta de interesse pelo mundo e pelos outros é o que pode nos acontecer de pior" (Contardo Calligaris, *Milão, 2 de junho de 1948― + São Paulo, 30 de março de 2021- R.I.P.)

Comentários

  1. Gostei muito e ri ao imaginar você correndo e desviando dos raios.

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    1. Até fiquei rindo ao me lembrar. Isso bem depois de escapar... Rsrs...

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