Uma crônica sem objetivo em um sábado frio e chuvoso

Acordei muito cedo para um sábado de inverno frio e chuvoso. Ficar na cama, debaixo do cobertor até às 10 h parece ser a melhor opção em um início de fim de semana assim. No entanto são 06:30 h e já estou acordado desde às 05:40 h.
Ao longo de 25 anos acordei diariamente para trabalhar antes das 5 e dias como este eram os mais difíceis. Acho que isso ficou registrado. Depois de quase um mês de estação seca e ensolarada a virada do clima, ao invés de me prender na cama, me agitou a memória.
Silenciosamente, para não acordar a casa, vim para o mini-escritório que fica na sala ampla. Antes de sentar em frente ao notebook para deixar fluir livremente os pensamentos dei uma olhada na rua pela janela gradeada. Ali uma orquídea solitária comemora o clima. Tento ver a grande torre da igreja do Convento dos Padres Redentoristas que fica exatamente em frente, mas minha palmeira de estimação cresceu muito e no momento obstrui qualquer visão. Falei do belo convento mas o nome agora mudou para Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Já se aproxima das sete e ouço o sino dali chamar os fiéis para a missa matutina. O soar me remete ao bairro rural em que nasci, lembra interior, roça.
Da mesma janela olho para a rua com uma visão do alto. Não há viva alma. Chuva e frio em um sábado a essa hora não anima ninguém a sair, a não ser os que precisam trabalhar cedo, como eu fazia, mas não aos sábados.
Não ouço sequer sons de automóveis ao longe. Em cima da escrivaninha está o celular que decido pegar para tirar uma foto da janela. Apenas um gato se move ao longe, não se importando com a chuva. Rapidamente dou um zoom e tento registrar de maneira amadora aquele único ser vivo passando na esquina.
Fico assim por longos minutos tentando não pensar em nada, apenas ouvindo o barulho dos pingos da chuva e olhando o verde das folhas encharcadas por entre as quais vejo o vazio asfalto molhado.
Não pensar em nada é impossível e percebendo o panorama me vem à mente a realidade que cada um, que dorme neste momento, vive. Suas diferentes realidades, preocupações, alegrias, sonhos, lutas...
Finalmente um carro passa e me tira dos devaneios.
Me sento em frente ao computador. Olho para extensa coleção de discos de um lado e para os livros e garrafas de vinho de outro. Sei que música e livros deverão ocupar parte deste sábado. Já o vinho melhor aguardar a noite. São três coisas dignas de uma sábado frio e chuvoso.
Me lembrei de três CDs ideais para dias assim: "Jazz for a lazy day" ("Jazz para um dia preguiçoso"), "Jazz for a rainy afternoon" ("Jazz para uma tarde chuvosa") e "Jazz for the quiet times" ("Jazz para momentos tranquilos"), do selo "32Jazz". Mais tarde são eles que vou ouvir (afinal isso não são horas para ligar o aparelho de som e devo seguir a indicação do segundo disco em termos de horário), lendo quem sabe o extenso volume de "O Livro do Jazz", escrito pelos alemães Joachim Berent e Günther Huesmann.
Lembro que, há alguns anos, nas tardes de sábado, reunia os amigos musicais aqui em casa. Preciso retomar essa prática tão boa e hoje seria um dia ideal para isso mas precisaria tê-los convidado com antecedência, cada um já deve ter seus planos. Mesmo assim acho que vou tentar. Em tempos de WhatsApp não custa mandar uma mensagem lançando a ideia. E em tempos de redes sociais voltar a cultivar as amizades que encontramos pessoalmente não tem equivalente.
Já passa das 8 da manhã. Como estou próximo da janela ainda ouço o som da chuva e já começa a ter um ainda leve movimento de carros. A luz, filtrada pelas nuvens e pelas gotas d´água, ilumina de uma forma indireta e suave a sala. Olho para fora e vejo dois trabalhadores se dirigindo ao escritório de uma grande empresa que fica há uns cem metros daqui.
A vida começa lá fora, mesmo no sábado com frio e chuva. E é bom que seja assim em tempos tão difíceis.
Como estou em jejum a fome começa a apertar e as ideias ligadas ao comer se apresentam de uma forma um pouco menos comportadas, por causa do frio. E me vem a ideia de fazer um bolo, pavê ou torta alemã, fato este que tem sido cobrado pelo meu filho, lembrando da época que eu era mais chegado à culinária. Já meu endocrinologista costuma dizer que isto nunca será uma boa ideia uma vez que minha glicose sempre ronda os três dígitos.
O sino da igreja bate, dizendo que a missa vai começar e eu resolvi que está na hora de tomar uma xícara de café bem quente enquanto rezo por todos, já que não vou ao Convento agora. Quer dizer, Santuário.
E ainda vou decidir se posto esse texto tão sem objetivo claro mas que foi o que surgiu nesta manhã fria e chuvosa.

Comentários

  1. Olá Marcos! Sempre que você publica algo aqui no seu blog Impressões recebo um aviso. E logo corro pra ler. Minha reclamação é que você tem publicado muito pouco. Adoro seus textos e se pudesse leria o que escreve todos os dias. Aliás sempre releio as antigas. Adorei essa e não poderia ser diferente. Ótima e inspiradora para começar este sábado frio e chuvoso como você disse. Obrigada!
    Escreva mais!
    Beijos.

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    1. Obrigado pelo comentário Maria Inês. Agradeço as palavras e prometo escrever mais. Abraço!

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  2. margaretesiqueiracarvalho@gmail.com5 de agosto de 2018 às 09:23

    Marcos,que maravilha de cronica. Amei o elo, as conexoes que vai fazendo ao longo da sua escrita. E como escreve bem? Sucessos amigo querido.

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    1. Obrigado pelas palavras carinhosas Meg! Um grande incentivo! Bj

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  3. Excelente! Bom ler seus textos,amigo o!

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