O inverno de um coração urbano

Nesta semana, ao que parece, o inverno começou a dar sinais de vida, embora ainda estejamos no outono. Aí fica a dúvida: se em 2016 teremos frio de verdade ou apenas uma leve recordação dos casacos esquecidos no armário. Com cheiro de ano passado.

Minhas lembranças de épocas em que as estações pareciam ser mais definidas são interessantes. É bom dizer que elas - as lembranças - deveriam ser muitas pelo singelo fato de que eu já ultrapassei o meio século de atividades ininterruptas neste "pálido ponto azul". Mas não são não. O que é preocupante. Estariam elas desaparecendo à medida que somo mais um na contagem progressiva (na verdade regressiva) da vida?

Enfim, mais uma conversa a ter com meu Geriatra que eu nem sei quem é pois continuo, teimosamente, me recusando a procurar. Talvez daqui a dez anos. Sei que não é a atitude mais correta em termos de saúde mas é provável que eu tenha a Síndrome da Juventude Eterna. Neste caso melhor procurar um Psiquiatra antes. De preferência um que não tenha o mesmo problema.

Voltando ao ponto central, se é que existe um, o inverno me faz lembrar a minha "divisão interna" que costumo chamar de "ou isso ou aquilo". Minhas reminiscências tendem a fazer com que me sinta, eventualmente, um ser urbano. Ou, pelo menos, de coração urbano. Lembro e penso em roupas mais elegantes, restaurantes, encontros ao redor de uma garrafa de vinho.

Da infância, a possibilidade de correr muito sem sentir aquele calor abrasador dos dias quentes. Brincar mais no subúrbio. Urbano, ainda que na periferia.

Se o verão é praia, as meias estações dirigem meus afetos para o mato, interior, serra. Então. É isso ou aquilo: ser urbano ou interiorano, ao ritmo das estações.

O ritmo do inverno, quando ele acontece, tende a ser mais lento que as demais estações. Deve ser impressão, mas me parece ser mais fácil observar e ouvir pessoas. As intenções, atenções, afetos. O caminhar. Os cachecóis, casacos, botas. O ir e vir na cidade. O céu do entardecer por entre casas e prédios. O que fazem e pensam os urbanos corações que ali habitam.

A estação parece ter até mesmo uma trilha sonora: Jazz. Não consigo combinar esse gênero musical com suor e cerveja. Mas harmoniza bem com noite, frio, chuva, pernas cruzadas na poltrona e vinho.

Não, não tenho uma estação preferida e, se tivesse que escolher, seria outono ou primavera, desde que não acontecessem em apenas uma semana. Mas o fato é que essa chegada do inverno ao mesmo tempo que me aproxima da cidade grande, me faz pensar o quanto ela também pode ser impessoal e distante. O coração urbano talvez esteja tentando mandar um recado: esse meu sentimento de proximidade com os outros no frio é também a necessidade de aproximação de mim mesmo. Do qual talvez ande meio distante.
Coisas urbanas.

Comentários

  1. Olá Marcos. Descobri seu blog por indicação de uma amiga. Adorei. Tive a impressão que o seu estilo de escrever transborda emoções mesmo quando não fala delas. Parabéns! Beijos.

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  2. Gostei dessa divisão isso ou aquilo. Sou assim também mas não tinha pensado nisso.

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  3. Que delícia de texto!Tão leve que se lê num piscar de olhos.Já pensou em escrever um livro?Abraço

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  4. Obrigado pelos comentários Lu, Neide e Anônimo. Agradeço também as mensagens recebidas.
    Lu, já pensei sim. A ideia está amadurecendo. Obrigado! Abraço!

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