Desventuras no ônibus
Ocorre que os três dias seguidos de chuva haviam cedido espaço a um sol entre nuvens que começava a dar as caras naquela bela manhã primaveril. Verifiquei no celular que o aplicativo do The Weather Channel indicava alta incidência dos tais raios UV, o que contrariava as indicações da Dermatologista de evitar os mesmos se não tivesse aplicado protetor solar. Era o caso. Mudei de ideia e resolvi chamar um Uber. No entanto me dei conta que há tempos não usava transporte coletivo e resolvi pegar um ônibus. Como estava em avenida movimentada, uma das principais artérias do trânsito na cidade, com certeza não iria esperar muito.
Me dirigi ao ponto mais próximo, uma estrutura metálica coberta, com proteções laterais e banco. Não tinha ninguém ali naquele momento. De cara me chama atenção uma folha A4 colada ao fundo, com a seguinte mensagem: "Arthur, você achou que eu não descobriria sua traição? Eu sei que tem ido à Paradise varias vezes, inclusive tenho provas. Seu sem vergonha!" Detalhe: tinha um QR Code. Curioso para saber para onde direcionava (seriam fotos comprometedoras?), apontei o celular para capturar o endereço do site. Ocorre que era um papel já desgastado pelo tempo e não consegui fazer a leitura. Fiquei remoendo a dúvida. Quem era Arthur? Que provas existiriam no local indicado? O que era essa Paradise? Uma ideia me ocorreu. E se fosse apenas uma estratégica peça de propaganda daquele estabelecimento, se é que ele existia. Resolvi dar uma pesquisada via Google, Instagram e Facebook. Depois de alguma tentativas infrutíferas cheguei ao resultado da busca. Trata-se de um "Drink Club" que se localiza (ou se localizava, não sei se existe ainda, o último post no Face é de 2023) no KM 11 da BR-101, sentido norte. Não consegui maiores informações mas as postagens indicam se tratar de "um lugar paradisíaco". A conclusão é que o recado era realmente uma propaganda subliminar do local para maiores de 18 anos. Mas aviso, garanto, juro que minha curiosidade não é suficiente para encarar os 11 Km para conferir a existência ou não da tal Paradise. Até porque estou sem carro, lembram? Ficou curioso(a)? Clique aqui (mas só depois de terminar de ler a crônica).
Veio o primeiro ônibus e eu não entrei. Explico. Teve um tempo em que ouvi dizer que tinha de ter um cartão pré-pago pois eles eliminaram a figura do trocador, coitado. Será que aceitam cartão comum? PIX? Na dúvida fiquei observando e separei uma nota de 20. Um senhor que chegou em cima da hora fez sinal e entrou pela porta da frente. Mas não era pela porta de trás? De fora percebi que tinha trocador sim, no mesmo local de sempre. Fiquei mais tranquilo.
Chegam duas senhorinhas quase ao mesmo tempo. Ficamos conversando sobre os problemas de transporte na cidade e se iria voltar a chover. Chega o ônibus. Surpresa: esse tem três portas! Eu nunca tinha visto. O motorista pára e abre apenas a porta do meio. Não entendi nada mas sigo as senhorinhas. Já dentro fico procurando meio desesperado o trocador. Não tem. Percebo que lá na frente, ao lado do motorista, tem uma roleta. Então é isso. Na hora que for desembarcar pela frente eu pago. Ocorre que os pontos foram passando e as pessoas desciam pela mesma porta do meio. Como assim? Ninguém pagava? Meu desespero volta. Mas os pensamentos são interrompidos por um jovem que havia entrado segurando uma espécie de cabide de pé, múltiplo, onde havia dezenas de produtos. Um camelô de coletivo. Me lembrei dos trens suburbanos de minha infância, onde eles passavam vendendo bala Juquinha. Naqueles tempos de Campo Grande à Central (não é do Leme ao Pontal) levava-se uma hora e meia. Viagem tranquila, sem sobressaltos. Os camelôs vendia muita coisa mas o que ficou na memória foi a bala Juquinha. Sinto muito se você não a tem em sua memória afetiva infantil. O ambulante do ônibus não tem bala Juquinha, até porque ela não existe mais. Mas oferece relógio digital "para não ficar mexendo toda hora no celular pra ver as horas" por 15 reais. Fone de ouvido, por 6. Coador de café, de pano, por 8. Pomada pra tudo, 10 pratas. Xarope cura tudo também por 10. Azeite de Oliva extra-virgem, 500 ml, acidez menor que 0,5 por 12. Essa do azeite eu inventei agora. Não tinha não. Mas os preços estavam bons.
Volto aos meus questionamentos de como proceder para pagar. Eu estava em pé quando entra uma jovem - pela mesma porta do meio - com os braços tatuados e encosta em um espaço lateral perto de mim. Antes que ela coloque os imensos fones de ouvido me dou por vencido e peço ajuda à universitária. Desculpe, pode me informar como faço para pagar a passagem? Eu entrei por essa mesma porta que você e as pessoas também estão descendo por ela... Gentilmente ela responde que, se eu desejasse pagar a passagem, deveria ter entrado pela porta da frente, onde tem a roleta que só gira no sentido interno, essa do meio é para entrada de quem não paga passagem: estudantes, pessoas com deficiência, idosos... e para desembarcar. Minha cabeça dá um nó. Eu retruco. Mas, quando fui entrar, o motorista só abriu a porta do meio! Bem, o senhor pode ir lá na frente e pagar ao motorista, diz ela. Agradeci e fiz o recomendado. Estendo para ele a nota de 20, esticando o braço, já que a roleta impedia de chegar mais perto. Ele se vira para pegar o troco e dirigir ao mesmo tempo. Pede para eu girar a roleta para contabilizar. Nisso meu ponto de descida já estava perto. Aviso a ele para parar e desembarco pela bendita porta do meio.
Já em terra firme ao que parece finalmente os dois neurônios restantes se conectaram. Ele não abriu a porta da frente porque detectou no ponto três idosos: as duas senhorinhas e eu! Como assim? O problema não era eu ter pago desnecessariamente os R$ 3,50 da passagem. A questão foi a percepção do motorista sobre minha idade! Me desespero, saco R$ 10,00 do troco e tento voltar para o ônibus. Queria comprar aquele xarope do ambulante que servia pra tudo. Quem sabe não estaria ali o elixir da juventude! Tarde demais, o coletivo já ia longe e com ele foi minha esperança de retornar à infância da bala Juquinha.
Aí Marquinho, gostei da dica. Valeu! Vou lá. E meu nome não é Artur. Kkkkkkkk
ResponderExcluirRsrsrs...
ExcluirRapaz, eu também quase não ando mais de ônibus, até porque quase não tem ônibus mais. Um absurdo. Agora sua crônica é ótima. Tô rindo até agora
ResponderExcluirObrigado Lúcio! Que bom que gostou. 😊
Excluireu me lembro da bala juquinha Vendida nos trens. Foi uma família de SP que criou a fórmula Secreta dela. Depois venderam a fábrica que funcionou até 2015. Hoje existe Uma feita no Rio Grande do Sul mas não é a mesma coisa.
ResponderExcluirObrigado pelas informações sobre a bala, Jonas. Valeu!
Excluir👏👏Muito bom!!
ResponderExcluirObrigado! 😊
ExcluirKkkkk, esse tal de Arthur deve está se escondendo até agora, tempo bom da bala Juquinha, excelente texto, voltou na minha memória os tempos dos cobradores.
ResponderExcluirRsrs... É isso Gafa. Boas recordações.
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