A Vida dos Outros
Um dos nossos maiores interesses é saber sobre a vida dos outros. Não tem ironia nesta sentença. É a pura verdade. Ora direis, "eu não!". Então tá. Me engana que eu gosto (essa frase parece nome de bloco carnavalesco carioca). Ok, vc não vive bisbilhotando a vida do vizinho nem de seu colega de profissão nem daquele parente chato, até acredito. Mas vamos ampliar a visão. Porque assistimos séries, filmes e novelas? Basicamente os temas predominantes nessas produções de lazer são... a vida dos outros! Né não? E digo mais, quanto mais problemáticas mais atraem a atenção. Até uma agradável comédia romântica só evolui se tiver muitas situações complicadas antes de um final feliz. "Ah tá, mas aí é ficção". Sim. Mas chega alguém pra te contar uma história cabeluda de um conhecido pra ver se vc não vai ficar atento(a)... E tem mais. Os telejornais só dão audiência se pelo menos 50% dos casos noticiados forem de problemas diversos. É o que dá ibope.
Eu sempre fui um leitor voraz desde a mais tenra idade. E livros contam histórias da vida dos outros. Com problemas. Até os didáticos, sobretudo os de matemática (sorry, não deu pra resistir). De uns tempos pra cá tenho me fixado em biografias e autobiografias o que é efetivamente um mergulho mais profundo no tema. Fofocas sistematizadas da própria vida de cada um. Mas não pode ser "chapa branca", só relatando vitórias, que isso não engana ninguém. Se a proposta é contar a vida de alguém, que haja sinceridade. De coisas boas bastam as redes sociais. Né não? Quem aí usa o Instagram ou Facebook pra ficar comentando as derrotas? Eu é que não. No início deste ano, por exemplo, bateram na traseira do meu carro. Um problemão a ser resolvido. Olhem lá no meu perfil se eu postei alguma coisa sobre isso. Nadica.
Nesses relatos biográficos sinceros nos surpreendemos com a quantidade de problemas relatados por pessoas bem sucedidas, milionárias, famosas e cujas vidas não foram tão coloridas como imaginamos. O astro Phil Collins, por exemplo, ao longo de centenas de páginas de "Ainda Estou Vivo" (2016) nos conta sua trajetória mega vitoriosa, primeiro como baterista e vocalista da banda Genesis e depois com uma bilionária carreira solo, fabricante de hits que sempre foi. Mas ao lado disso não se furta em detalhar seus três frustrados casamentos, a distância dos filhos, o vício no álcool que quase lhe tirou a vida prematuramente, as três cirurgias no ombro, coluna e braço e das quais nunca se recuperou totalmente. Hoje, aos 73 anos, as coisas se acalmaram mas não consegue se locomover sem sua bengala e tem uma aparência bem fragilizada como resultado de tantas vicissitudes.
Já a autobiografia do ex-vocalista do Black Sabbath, Ozzy Osbourne, "Eu Sou Ozzy" (2010), o denominado "príncipe das trevas", é pra rir do começo ao fim devido à forma como ele mesmo não se leva à sério. Mas as histórias não deixam de ser impactantes. Era dependente de álcool e mais uma dúzia de drogas incluindo analgésicos a base de opióides. Vivia fora de órbita 24 horas por dia. É um milagre que ainda esteja vivo. O conhecido caso do morcego é real. Atiravam tudo no palco e quando jogaram aquele bicho ele pensou que era de plástico e arrancou a cabeça com os dentes. O resultado foi uma série de injeções na barriga. Também o caso do padre é fato. Ozzy havia preparado um bolo de haxixe (droga concentrada derivada da resina da maconha) e saiu para dar uma volta de quadriciclo em sua fazenda enquanto o bolo esfriava. Nisso chega o padre da localidade, amigo da família e, não tendo ninguém em casa, resolve provar a torta de haxixe obviamente sem saber do que se tratava. Dizem que saiu dali foi pra igreja e surtou. Ficou nu entre outras loucuras. Ozzy teria intervido para ele não ser excomungado! Ozzy está com 76 anos e, depois de dezenas de internações por motivos diversos, encontra-se distante dos palcos por conta das complicações do Mal de Parkinson.
O genial guitarrista Eric Clapton não se furta a contar tudo em "Autobiografia" (2007): uma carreira brilhante mas uma vida pessoal extremamente conturbada por drogas, acidentes e relacionamentos difíceis. A fofoca mais comentada nos bastidores é detalhada no livro. Em fins dos anos 60 ele se apaixona pela belíssima modelo e fotógrafa Pattie Boyd, esposa de seu melhor amigo George Harrison. Foi para ela que o Beatle escreveu a clássica "Something". Já Clapton compôs pra ela outras duas lindas canções, "Layla" e "Wonderful Tonight". Deu muita confusão no início mas ao final Harrison define que vai-se a esposa (Pattie se separa dele e casa com Clapton) mas a amizade permanece. Para que brigar? Continuaram muito ligados até a morte do Beatle. Desconfio que o triângulo durou muito tempo... No entanto sem dúvida o ponto mais trágico da história de Eric foi a perda de seu filho Conor Clapton, de apenas 4 anos. O menino caiu do 53º andar de um prédio em Nova York, nos Estados Unidos, e a perda inspirou a música “Tears in Heaven”.
Contudo se o tema é "a vida dos outros", é indispensável conhecer a trajetória do nosso Nelson Rodrigues. E isso é destrinchado no livro "O Anjo Pornográfico" do imortal da ABL Ruy Castro. Para os que pensam que a vida do Nelson foi um mar de rosas, engano total. A família chegou até a passar fome em plena Zona Sul carioca depois da morte do patriarca, um dos maiores jornalistas da primeira metade do século XX do Rio. O que abreviou a morte do pai dele foi o assassinato do irmão de Nelson em pleno jornal da família. Naquele tempo desquites eram notícia e o jornal estava fazendo matérias sobre a separação de conhecido casal e o mesmo dava pistas que o motivo era um caso que a esposa estava tendo com famoso médico da capital. A difamada não gostou, foi armada para redação e atirou no primeiro da família que encontrou. Muitos imaginam que isso seria o gatilho para as obras teatrais e literárias de Nelson, sempre tratando de tragédias passionais e comportamentos não muito tradicionais. Daí seus apelidos de "tarado" e "pornográfico". Na verdade a inspiração dele foi a realidade que viveu na infância no bairro da Tijuca, onde sempre aconteciam esses casos escabrosos. Décadas depois, quando o jornal noticiava crimes com histórias passionais, ele ia até o local e pesquisava todo os meandros do caso. Isso deu origem às histórias da "Vida Como Ela É" e inúmeras peças teatrais, algumas adaptadas para o cinema: "Toda Nudez Será Castigada", "Bonitinha mas Ordinária", "Álbum de Família", "O Casamento", "A Dama do Lotação", etc. Sem dúvida nosso maior especialista em vida dos outros é o polêmico Nelson Rodrigues. E é por isso que faz sucesso até hoje. Gostamos dessas histórias reais fora do padrões normalizados. Aliás desde Shakespeare e suas trágicas narrativas cheias de paixão, ódio, crimes e surpresas. Mas somos, todos nós, comportados. Só gostamos é de uma boa fofoca não é mesmo? E, acreditem, isso tem a ver com psicologia e vida em sociedade. Mas isso é tema para especialistas. Eu só observo...
Postado por Marcos Oliveira em 18/01/2025
Adoro o Nelson Rodrigues e li essa biografia do Rui Castro. Já esses outros eu não conhecia. Adorei a crônica. Muito interessante e engraçada.
ResponderExcluirObrigado pela participação Edith
ExcluirMarcos, vc viu a recente entrevista que o Phil deu ao site Drumeo? Muito boa. Realmente é de dar pena pois ele tem 73 enquanto o Paul McCartney e o Mick Jagger que já passaram dos 80 estão bem pra caramba. Excelente crônica, como sempre!
ResponderExcluirVi sim Jefferson. Ele conta muitas das coisas que estão no livro. Realmente dá pena ve-lo bem baqueado. Mas não perdeu o humor e a sagacidade. Inclusive a autocrítica. Ele sempre foi workaholic e agora paga um preço também por isso.
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