Zerézima

Fazia tempo que não participava de campanhas eleitorais. Digo de uma forma mais direta. O que, convenhamos, é uma decisão sábia dado os transtornos envolvidos nos pleitos dessa nossa terra. Não faz parte do meu repertório de conselhos aos amigos a recomendação de entrarem neste tipo de embate. Sobretudo se você acha que política deve ser feita com ideais, ética, seriedade, justiça social. Fica mais fácil para quem está do lado de lá, cujo foco são apenas ambições pessoais. Ocorre que, por fatores concomitantes, fui meio que jogado no meio do furacão da disputa. Não como candidato, que fique bem claro. Provavelmente nem eu votaria em mim.

Se afirmo que é uma "furada", porque entrei e ainda me proponho a escrever um texto narrando as possíveis desventuras já vislumbradas no início deste relato? É que a coisa não é tão tenebrosa assim. Desde o ano passado venho frequentando com mais assiduidade reuniões mensais do sindicato devido a questões jurídicas pendentes, inclusive pressionado por boletos que antes eram encarados com tranquilidade mas hoje soam como monstros alienígenas ameaçadores. Sei que esse problema soa familiar a muitos. A bem da verdade confesso que, filiado há 40 anos ao mesmo, sempre participei e acatei as decisões das assembléias mas nunca fui de me fazer presente de uma forma mais assídua nos encaminhamentos da categoria. Nada de anormal nisso, concordam? Estou na mesma 'vibe' de vocês, sei disso. 

Ocorre que foi chegando a época de definições das candidaturas a vereador e prefeito e o sindicato, instado pelo partido, lança um nome de consenso para compor a chamada "nominata", na tentativa de alcançar um posto na Câmara Municipal. Eu já havia participado da campanha de um amigo lá na década de 2000, conseguindo uma rara vitória do trabalhismo na cidade. Mas depois minhas atuações foram mais discretas, trabalhando de uma forma indireta, buscando um voto aqui outro ali. E essa era a tendência natural também desta vez. No entanto, frequentando um ambiente onde verdadeiramente as coisas acontecem, onde se passa a ter mais informações sobre os processos políticos, fica difícil não se envolver de uma forma mais intensa. E foi o que aconteceu.

Mas não se trata apenas do processo eleitoral. Só mais tarde percebi que se tratava acima de tudo de pessoas, eu inclusive. O fator humano é o que me moveu cada vez mais para dentro das areias movediças desse processo. Não se assustem com a figura ultilizada aqui. Sempre haverá alguém para te dar a mão e puxar. O start foi conhecer mais a fundo os companheiros que estavam à frente do sindicato, no caso lutando pela reconquista de direitos que eram do meu interesse. Passei a respeitá-los de uma forma nunca antes experimentada. E, dentre eles está o que foi escolhido coletivamente, na verdade convocado, para ser o nome que estaria na urna eletrônica. Um jovem de seus trinta e poucos anos mas com uma larga experiencia nos embates que o cargo de coordenador sindical exigia.

Tal nome mereceria um capítulo à parte. Mas é aquele tipo de pessoa que você passa a confiar no momento que conhece. Seja pelo carisma natural, pelo interesse que tem por todos e por seus problemas (isso se chama empatia), seja pelo abraço sincero que ele distribui até para quem ele não conhece e não estou falando de período de campanha eleitoral. Aliás sempre que conheço uma pessoa assim, me vem à lembrança de uma música do grupo mineiro 14 Bis (sucessor da banda de Rock Progressivo O Terço), de autoria do Flávio Venturini. Chama-se "Adoráveis Criaturas", inseridas no álbum "Idade da Luz" de 1983. Diz um trecho: "Seres luminosos brilham mais aonde é preciso de luz / A cada nova era aqui na terra a coisa se reconduz / São adoráveis criaturas surgindo do inesperado / Deixando esse louco planeta inteiramente mudado". É importante pontuar isso, uma vez que meu carisma em uma escala de 0 a 10 é -1. Mas a autoestima (que também não é lá essas coisas) garante que minha empatia não é negativa, juro. Percebi, assim que soube, que o partido tinha acertado na mosca ao definir seu nome. Seria fácil e agradável trabalhar sua candidatura que foi a agregadora de tudo que viria a seguir. 

A campanha era relativamente curta. Apenas 40 dias do início até a data das eleições. No entanto, neste pouco tempo - desde o festivo lançamento até o final - a candidatura só fez crescer, se ampliar de forma orgânica por seu trabalho de 6 às 22 h, 7 dias por semana. A sede do comitê de campanha passou a ser um ponto de referência e resistência na planície contra às oligarquias que dominam a cidade desde sempre. Debates contras as discriminações e segregação, respeito às individualidades, instituições e políticas públicas. Acima de tudo a importância da política para o desenvolvimento da educação, do pleno emprego, do resgate da cidadania para mais de 150 mil munícipes que vivem abaixo da linha da pobreza e por isso mesmo tornam-se presa fácil para aquelas candidaturas que não se portam de forma republicana e por isso mesmo se perpetuam.

De repente me vi participando de caminhadas na avenida mais chique da cidade sob sol de 35 graus às 12 horas, abordando as pessoas para que tivessem a oportunidade de conhecer o nosso candidato. Em uma carreata meu carro terceira idade - que já deveria estar aposentado mas teve seu pleito negado por instâncias bancárias superiores - revoltado com sua condição resolveu protestar superaquecendo em uma tarde quente. A carreata tinha de continuar mas fui devidamente socorrido pelo amigo Rangel que, vejam só, é o mesmo para quem tive a honra de trabalhar para eleição há mais de 20 anos!

Como a campanha não nadava em dinheiro, muito pelo contrário, ocorreram campanhas de doação para cobrir os gastos. Em uma delas - que chamávamos "Sextou" - foram colocadas cervejas para serem vendidas em forma de pix direcionado para o CNPJ da campanha. Tudo de acordo com a lei eleitoral. No entanto, por algum motivo obscuro, baixou lá no comitê, em plena noite de sexta-feira, o TRE, a Justiça Eleitoral, a PM, a Guarda Municipal, etc. Um pequeno exército que fechou a avenida para... pegar a nossa Heineken! Tal episódio inusitado virou notícia na cidade. Negativa para nossa campanha. Ótimo para as outras. Dias depois as cervejas foram resgatadas. Segundo o TRE não tinha problema a venda para arrecadação mas o tribunal tinha de ser comunicado com 72 horas de antecedência. Então tá. Fizemos então o "Sextou TRE", com as cervejas recuperadas. Essa história entrou para nosso anedotário e sempre lembramos: "Vamos tomar uma Heineken do TRE?"

Foi enfim uma campanha honesta, alegre, combativa. Conheci pessoas incríveis, revi amigos de longa data, participei de debates engrandecedores, nos divertimos e nos emocionamos. Formamos um time em volta do técnico, nosso candidato. Tudo tão legal que estou sentindo saudades (lembram da "furada" que falei lá no início? Pois é...). 

Alguns queridos amigos leitores deste humilde e perdido espaço na Internet podem estar fazendo agora algumas perguntas que busco esclarecer agora de forma resumida. O trabalhador que queríamos colocar na Câmara da cidade de Campos chama-se Tezeu (batismo escolhido pelos pais como referência ao herói da mitologia grega). Muito bem votado mas não foi eleito. Por pouco, mais como consequência do chamado coeficiente eleitoral. Caminhamos ao lado do Professor Jefferson, candidato à prefeitura, diretor e reitor por mais de 10 anos do Instituto Federal Fluminense (vejam o alto nível). Os demais candidatos da nominata eram quase todos ligados à educação, saúde, sindicatos e organizações não governamentais. A Federação reunia o PT, PV e PC do B. Ninguém foi eleito. Praticamente todos os vitoriosos são ligados à oligarquia que comanda a cidade por décadas. Ou a outra oligarquia que está querendo pegar os ovos de ouro. E por isso mesmo ela continuará em sua obscuridade, apesar dos rios de dinheiro despejados pelos royalties do petróleo há muito tempo. Alguns analistas opinam que as reservas de petróleo que a Venezuela possui acabou sendo uma maldição. No nosso caso não foi, por causa da geração de riquezas para o país, dos milhares de empregos, etc. Mas, no caso dos royalties, essa dedução não chega a ser absurda para nossa cidade.

Mas nós não perdemos, pelo contrário. Vida que segue. 2026 é logo ali.

Enquanto isso, de volta aos boletos. Gostaria que elas, as dívidas, passassem pelo mesmo processo das urnas eletrônicas antes do início da votação, a zerézima. Ou seja, zerar todas!


Comentários

  1. Oi Marcos. Parabéns por seu texto, sempre delicioso de ler. Acompanhei a campanha em Campos. Uma pena o Tezeu não se eleger por tão poucos votos. De longe era o melhor entre todos os mais de 300 candidatos.

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    1. Realmente Luis, nossa cidade não elege os melhores mas sim quem está no comando.

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  2. Oi Marquinho! Sensacional! Grupo unido assim faz toda a diferença. Conviver com pessoas boas em um ambiente tóxico como são as eleições faz com que ganhemos força para enfrentar. Abração!

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  3. Aê, eu não gosto do PT mas reconheço que Tezeu merece ser vereador. Conheci ele na campanha, veio falar comigo, me deu atenção. Nenhum candidato faz isso. Pena não se eleger. Votei nele.

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    1. Excelente voto Genilton. Obrigado! Seria ótimo se todos os eleitores pudesse conhecer pessoalmente o Tezeu. Com certeza estaria eleito.

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  4. Só se elege vereador com muita grana. Mas a esquerda também também tembdevse renovar. O trabalhismo mudou. Os conservadores pegaram espaço através das igrejas evangélicas. O PT se afastou das bases e os progressistas são demoníacos por defenderem direitos humanos. Temos que atualizar se não o triunfo fascista vai ser completo. Parabéns pelo sua crônica que dei boas risadas. Gostei do carro terceira idade kkkkk. Que carro é? Eu tenho um Opala Diplomata 1981!

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    1. Opala Diplomata? Caramba! Parabéns! O desafio é a conservação. O carro é um Civic LX 2001 Aut. Estou ajeitando aos poucos... 😀

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    2. Vc está certo amigo. O próprio Presidente já fez essa análise. Não temos mais as Comunidades Eclesiais de Base. As universidades também se afastaram das ruas. Nas periferias só temos hoje o trabalhos de igrejas neopentecostais. Os novos trabalhadores estão desiludidos com a previdência. Tá difícil e essas confusão é aproveitada pela extrema direita. Os progressistas tem de alinhar um novo caminhar pois senão estaremos destinados ao desaparecimento, o que seria péssimo para o país, sobretudo para os mais pobres.

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  5. Ri e gostei muito do assunto da zerézima, primeiro porque seria uma ótima solução financeira e segundo porque me reportou a uma experiência única da campanha para presidente em 22 pp. Me engajei tanto que virei fiscal pela primeira vez na vida e todo mundo falava desta tal de zerézima e eu boiando, não tive formação nenhuma, tipo entrar de gaiato no navio.

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    1. É realmente boa essa ideia da "zerézima" das dívidas. Rsrs... Interessante o relato da experiência como fiscal sem conhecer os macetes do processo. rsrs

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  6. 😁👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼✊🏽🙌🏽

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  7. Show! Realmente os processos eleitorais em nosso país são sempre muito disputados, o que não foi diferente este ano! Que possamos ter dias melhores!

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