Sábado no Supermercado
Manhã de sábado. Bem cedo. Estaciono no subsolo, subo a rampa e vou direto ao balcão de frios. Neste horário o supermercado está vazio. Ótimo! Não que tenha algum trauma de fazer compras - apesar dos preços assustadores, dignos de uma obra de Stephen King - o problema são as filas na hora de pagar. Mas volto a este tema daqui a pouco.
Pesquiso as opções, escolho e faço o pedido. A senhorinha simpática 1 observa tudo e me pergunta se o o que estava sendo fatiado era peito de perú. Não era. Ele está custando R$ 48,00 o Kg, já o peito de frango defumado constava na promoção do dia por R$ 26,00. Valia a pena. Sabores semelhantes, da mesma forma que a quantidade de gordura e sódio, acho. Embutido é embutido, embora a deliciosa mortadela defumada lidere o ranking da quantidade desses elementos. Se bem que agora tem a "gourmet", mais chique e menos danosa às artérias. E mais cara, claro. A senhorinha simpática 1 pede meio quilo e agradece a opinião, me chamando de "meu filho". De nada! Desconfio ter quase a mesma idade dela, mas gostei.
Caminho em meio às prateleiras e me vejo atravessando a ala do papel higiênico. Será que o estoque em casa está ok? Sempre está mas sempre compro mais um pouco. Haverá nisso alguma questão psicológica que mereça ser citada quando finalmente resolver fazer psicanálise? Me imagino diante do profissional argumentando tal fato. O doutor vai perguntar se na minha infância pobre eu utilizava folhas do jornal O Dia. Não doutor, mas era aquele rosa, lixa número 2.
Escolher o papel higiênico naqueles fardos é um misto de ciências exatas e humanas, além de questões subjetivas. Até porque tem o tipo gourmet também, acreditem! Esse é perfumado e tem a suavidade da seda. Não sei se seda é tão suave assim. Erraram na mão. Mão direita ou esquerda (não falo que de ideologia), vai que o publicitário que criou o marketing não seja destro. De qualquer forma, levo mais fé na ducha, o papel é apenas para secar.
Saco meu smartphone e abro a calculadora. Tem fardos leve 12 pague 11, leve 16 pague 15, leve 24 pague 22. Diferentes marcas e preços. É necessário fazer um julgamento baseado na quantidade e na qualidade, considerando o preço unitário, daí a calculadora. Calculado e feito um julgamento mental de 0 a 10, coloco a opção no carrinho. Eis que me surge outra senhorinha. Simpática número 2. "Meu filho (opa!) esse aqui está mais barato e é a mesma qualidade e quantidade". Explico para ela a armadilha. Aqueles são rolos de 20 metros, enquanto esses que peguei tem 30. Sai muito mais em conta. Ela arregolou os olhos, coloca a mão no rosto: "Meu Deus, eu nunca tinha percebido isso". Só faltou me dar um abraço.
Sigo o caminho e nele está a senhorinha de número 3 (não estou inventando, acreditem por favor). "Você pode me emprestar seus olhos? Estou sem óculos e não consigo ler os preços desses sabonetes". Emprestar os olhos é ótimo! Empresto. R$ 5,20. O preço do sabonete, não o aluguel dos olhos. Gosto do Alma de Flores mas o melhor é o Senador, aquele original da caixa laranja. Mas não uso direto para não quebrar o encanto da memória olfativa. É que foi o primeiro sabonete que comprei quando comecei a trabalhar, lá pelos idos do início dos anos 80 em Aracaju. Na infancia Rexona e Palmolive eram luxo, o normal era sabão de coco. Mais um item para relatar a um futuro psicanalista. Nos tempos das vacas gordas eu encomendava uma marca importada chamada Roger & Gallet. Era uma caixa que vinha com três unidades com perfumes diferentes. Não sei se ainda existe. Se positivo deve estar custando os olhos da cara. Olhos que acabo de emprestar, sem juros, à senhorinha.
Vocês podem perguntar porque nenhum homem se dirigiu a mim para obter informação ou opinião. É que esse grupo do qual faço parte se acha autosuficiente. É capaz de rodar quilometros procurando o creme de cebola, mas não pede ajuda. Além disso depois percebi que eu era o único cliente do sexo masculino no estabelecimento naquele momento. Um detalhe. De qualquer forma pensei que poderia trabalhar ali, só atendendo clientes mais idosos que precisassem de alguma opinião. Provavelmente a empresa não me contrataria se eu fizesse essa proposta. Ou me pagariam uma miséria.
Chego aos caixas. Fila! É que só tinha um funcionando àquela hora. Absurdo. Me vejo obrigado a ir naquele ponto de autoatendimento. São caixas onde você passa o código de barras e paga no cartão. Fica uma atendente administrando o movimento, tirando dúvidas sobre como utilizar e distribuindo as sacolas. Não gosto de ir ali. É trabalhar de graça para o supermercado e tira o emprego de muitos. Também tinha fila mas andava mais rápido pois eram compram menores. Fico aguardando. Faço menção de pegar o celular para ver se tinha alguma mensagem mais relevante, quando ouço o chamado ao meu lado. "Moço, pode me arranjar alguma moeda, preciso completar para comprar um remédio". Olho para o que seria a senhorinha de número 4. De vestido comprido florido ela estava com uma pequena mochila entreaberta colocada na parte da frente. Usava óculos de aros escuros. Não tinha os dentes da frente. Se locomovia com o auxílio de duas muletas. Parecia ter bem menos idade do que aparentava. "Sou portadora do HIV e recebo os medicamentos de graça mas tem alguns que tenho que comprar como este aqui e falta um pouco para completar o valor". Ela tira da mochila uma caixa azul vazia amassada. Acho que era Ibuprofeno, um tipo de analgésico e anti-inflamatório. Sua feição era de súplica. Meio que sem ação, sem falar nada, pego a carteira. Entrego a ela uma nota de cinco reais. "Muito obrigado, Deus lhe abençoe. Que bom, agora só faltam três reais." Ouvindo isso lhe entrego mais duas notas de dois reais. Ela começa a chorar. "Graças a Deus não vou precisar pedir a mais ninguém". Ela faz menção de começar a contar um pouco do seu drama. Precisava apenas de ouvidos que ouvissem. Eu continuava parado, mudo, olhando para ela. Nisso a atendente puxa meu braço avisando que tinha caixa livre e que havia outras pessoas na fila esperando. Não gostei da abordagem mas segui em frente. Após finalizar olho em volta e não vejo mais a senhorinha de número 4. Pego o elevador para o subsolo. Coloco as compras no porta malas. Viro a chave, o som liga automaticamente trazendo um suave piano. Dirijo lentamente pensando nas damas do supermercado. Melhor dizendo apenas na última. Aliás, pensando não. Apenas me lembrando. Continuava sem ação. Mudo em pensamento, como mudo fiquei quando ela me abordou.
Suas crônicas estão cada vez melhores. Em uma simples ida ao supermercado você observou e contou de uma forma singular fatos pitorescos, engraçãdos e dramáticos. A quarta senhorinha me emocionou. Muito triste essa realidade.
ResponderExcluirOi Alice. Obrigado pelo comentário. Acontecimentos simples do nosso dia a dia rendem boas narrativas. É só observar e ter ânimo para contar. A última senhorinha renderia um capítulo (ou um livro) à parte, desconfio.
ExcluirMarquinho, você é uma figuraça. Até limpar a bunda com mão esquerda ou direita virou literatura. E quem quiser que se vire pra entender. KKkkkkkkkkk
ResponderExcluirRsrsrs... Grande abraço Jefferson!
ExcluirParabéns pela crônica. Como psicóloga ri muito de suas observações acerca do tema. Aconselho a fazer sua psicanálise, mas não por conta do papel higiênico!
ResponderExcluirQue bom ter uma psicóloga (bem humorada) por aqui. Vou pensar no seu conselho. 😊 Abraço!
ExcluirÓtimo Marquinho! Valeu!
ResponderExcluirKkķkkk!!! Muito bom!
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