WD-40

Fortunaro é um militar reformado. Não ficou muito tempo no Exército. Depois de alguns anos foi afastado por problemas médicos que ele nunca quis se aprofundar. Gosta de assistir o noticiário político pela Joven Pan, que ele assina pagando R$ 20,00 para um cara de um bairro próximo.

Aos 45 anos sabe que precisa fazer atividade física, cuidar da saúde. Para isso ele caminha diariamente às 5 da tarde até o Bar do Suvaco que fica a uns 500 metros de casa. Lá ele pede uma dose de cana que mistura com energético. Mas não uma dessas marcas importadas tipo Red Bull ou Monster. Ele não confia nelas. Pela Internet descobriu uma nacional confiável, fabricada em Belfort Roxo. Todo mês chega pra ele 10 garrafas pet de 2 litros, reaproveitadas de refrigerante. Refrigerante ele não bebe porque soube pelo WhatsApp que eles usam fetos para dar sabor. Então ele caminha os 500 metros com a garrafa debaixo do braço e lá mistura meio a meio, copo cheio. Conversa uns 30 minutos com o Suvaco e volta pra casa.

Sua esposa chega tarde. Ela trabalha em um escritório e faz curso de Direito a noite. Fortunaro não entende porque ela estuda aos 40 anos, querendo ser advogada. Eles não tem filhos. O reformado odeia crianças e parece que ela tem um problema no ovário. O que foi um alívio para ele. Imagine se tivesse um filho ou filha agora, frequentando escola e aprendendo essas coisas de LGBT não sei o que lá, que os comunistas estão implantando.

O seu maior problema é uma constipação crônica. Mas sempre se recusou a procurar um Gastro. Inteligente, sabia que ia dar um jeito de melhorar a incomoda prisão de ventre. E a solução veio como uma iluminação. Certo dia sua janela emperrou. Foi ao supermercado e comprou uma lata de WD-40. Com apenas um jato resolveu o problema. Ficou encantado. Durante horas olhava a lata e sentia o perfume do produto. Está aí a solução! E já vem com um canudinho para facilitar as coisas! Na primeira oportunidade experimentou e, segundo sua análise, a coisa funcionou como um laxante e ainda deixava um perfume agradável. É verdade que andou sentindo umas coisas estranhas no local e uma certa queda de pressão, mas nada que causasse maior impacto. Narrou sua descoberta no grupo de amigos do Zap, a maioria também reformados - por psiquiatras comunistas - como ele. Por sorte nenhum tinha tal problema e não precisaram fazer uso da terapia descoberta por Fortunaro. Contou para sua esposa que, como de hábito, não esboçou nenhuma reação. De qualquer forma, depois de um tempo e muitos efeitos colaterais, suspendeu momentaneamente a utilização de sua descoberta.

O último fim de semana foi normal. A esposa trabalhou pela manhã e avisou que ia pra casa da irmã ajudá-la a cuidar das crianças, ficaria no domingo também. Ultimamente tinha sido assim. Não entendia como a mulher gostava tanto de crianças e daquela irmã enjoada.

Sábado à noite encomendou duas pizzas portuguesas. Elas foram também seu café da manhã de domingo. E almoço e janta. Mas aquele era um domingo especial. Haveria protesto contra o avanço do comunismo. Pegou sua camisa da CBF e a bandeira do Brasil, ambas made in China, e partiu para encontrar com seus pares.

A mulher não apareceu. Já havia enviado mensagens para ela. Segunda-feira ele insiste. Ela responde: não olhou no meu quarto? Dormem em quartos separados. Não havia olhado. Foi lá e estava vazio. Que diabos está havendo mulher? Ela fica dois dias sem responder. Ele pega sua Ford Belina 1987 movida a botijão de gás e vai até o escritório. Havia uma ordem na portaria para não deixá-lo entrar. O Zap apita: Não me procure mais! Saí de casa. Se insistir peço medida protetiva!

Fortunaro coça a cabeça. Mas porque? Tá querendo morar com sua irmã por causa de seus sobrinhos? Laura responde secamente: Não. Há dez anos estou com o Carlos e agora vamos morar juntos. Fortunaro não acredita. Com tantos homens no mundo ela foi corneá-lo com aquele comunista?