Do Kiss à Taylor Swift

Se vocês tem estranhado a intensa movimentação de fãs em torno de recentes shows internacionais, saibam que não estão sozinhos. Mas, calma. Para tudo há uma explicação. Ou tentativa. No caso do grupo mexicano RBD trata-se de memória afetiva de milhares de jovens adultos que eram pré-adolescentes ali na primeira metade da década de 2000. Eles eram personagens da telenovela "Rebelde", eleita pelo Portal Terra uma das 50 melhores novelas de todos os tempos. Não me perguntem quais são as outras 49, não pesquisei isso. Até porque a última novela que vi foi "Mulheres Apaixonadas", mas não tenho certeza. Lá se vão uns 20 nos que não acompanho mais o que chaman de teledramaturgia. Nada contra, é bom que se diga.

O mais recente evento com um fanático séquito de jovens fãs é o da cantora pop Taylor Swift, com filas que varam a madrugada. Neste caso até com um evento trágico: a morte de uma adolescente no Rio, aparentemente por causa do calor, em uma clara demonstração da falta de preparo dos realizadores. Mas porque tanto sucesso de Swift? Ao que parece é sua capacidade de tranformar em música os dramas cotidianos dos adolescentes e jovens adultos, uma idade sempre muito complicada. Há portanto de se entender as letras. Bem, como disse, essa é uma tentativa de explicação. Mas não se trata de um caso isolado, convenhamos.

É preciso entender que, para os fãs, um grande show de um nome internacional é antes de tudo um evento, uma experiencia a ser compartilhada com os milhares presentes nos estádios que tem os mesmos sentimentos. Voltemos ao ano de 1983. Há 40 anos! Eu e meu irmão fomos ao Maracanã ver a primeira apresentação da banda americana Kiss no Brasil. Ainda estávamos no período da ditadura e correram boatos que eminentes figuras civis que apoiaram o golpe, pseudo guardiões da moralidade e religiosidade cristã do brasileiro, haviam tentado sem sucesso - já estávamos na chamada "abertura democrática" - proibir a apresentação do grupo. Na entrada havia dezenas de representantes do reino do céus, cercando quem entrava para tentar demover-nos de entrar no reino da perdição. Fomos abordados por uma jovem que distribuía uns panfletos. "Não entrem aí! K.I.S.S. é uma sigla que significa Kids In Service of Satan!" Meu irmão mais jovem olhou pra mim incrédulo. Eu até tentei um arremedo de diálogo. Kiss significa beijo. "Não! Isso é uma estratégia do mal!". Então avancei: "pois acho que Kiss então quer dizer Kids In Service of the Saints!". Respeitosamente peguei os panfletos e entramos no Maraca, rumo ao céu do Rock'n Roll e do futebol.

Dois anos depois aconteceria o que seria o maior evento musical da minha história. Janeiro de 1985, ditadura finalmente saindo fora. 10 dias do melhor da música do mundo. Eu trabalhava embarcado e pelas minhas contas eu estaria no mar durante todo o período. Meses antes comecei a aporrinhar meu chefe. Só ficaria embarcado sete dias. Eu tinha que estar presente pelo menos nos últimos quatro dias! De tanto ouvir meus apelos desesperados o gerente se rendeu, percebendo que eu ia dar meu jeito de sair fora de qualquer maneira, tanto que já havia comprado os ingressos com muita antecedência. Ao longo daqueles dias do festival eu dormia cerca de quatro horas por dia: chegava em Jacarepaguá na Cidade do Rock por volta das 15 horas. Ficava até 2 da madruga. Pegava o onibus para Campo Grande, casa de minha irmã. Chegava às 6. Dormia até as 10. 11 horas retornava para o festival. Isso debaixo de chuva, lama e e bebendo cerveja Malt 90 a única que era vendida no festival. Foi a única vez que vi caminhões pipa de Chopp! Pra comer, cachorro quente frio. A Malt 90 não sobreviveu ao tempo, era bem ruizinha, diga-se de passagem. Mas estava tudo bem. Aos 25 anos de idade tirava aquela maratona de letra. O importante era assitir o Yes, Whitesnake, AC/DC, Ozzy Osbourne, Scorpions, Queen, Gilberto Gil, Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha, etc. Todos no seu auge. Detalhe: em um dos dias estava eu ainda do lado de fora, perto das bilheterias e quem passa pertinho de mim: Roberto Medina, o idealizador do festival. Naqueles tempos sem internet essas pessoas dos bastidores eram pouco conhecidas. Niguém deu bola pra ele. Menos eu. Gritei: "Aí Medina, valeu meu amigo!" Ele olhou pra mim, abriu um sorriso, deu um tchau e seguiu. O último RIR que fui foi em 2017, com minha esposa. Fiquei em um apart hotel na Barra, relativamente perto do festival, contratei transfer pra nos pegar e trazer de volta. Definitivamente o pique dos 25 anos ficaram pra trás...

Um grande show recente digno de registro foi o de Roger Waters, no Maracanã, em 2018. Além de estar junto de minha família assistindo o que foi - para mim - uma apresentação do grande Pink Floyd (já que a banda não mais existe), foi um evento político. Estávamos às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais e Waters sempre com sua atitude antifascista emocionou a todos que compreendiam o que ele estava fazendo. Curioso que alguns fãs do Pink Floyd presentes vaiavam sua postura dizendo que ele não deveria se meter em política. Ponto para os fãs da Taylor Swift que entendem as letras. Ao que parece aqueles ali nunca compreenderam o significado das composições de Waters no Pink Floyd.

Eu não fui ver RBD (minha filha foi) nem Taylor Swift. Só de ver, pela TV, aquela fila no sol eu passo mal. Aos 6.4, se tiver chance ainda encaro o Paul McCartney (81 anos) no Maracanã, última oportunidade de ver um dos Beatles, a lenda das lendas. No mais, vida que segue, com música, boletos preocupantes a vencer e samba. Explico: nesta noite de domingo, véspera de feriado, quando termino essas mal traçadas linhas, uma suave brisa entra pela janela da sala. Na esquina uma roda de samba que fechou a rua toca Zeca Pagodinho. É o tradicional bairro do Morrinho, referência na cidade sobre o tema. Temos por aqui um Bloco e uma Escola de Samba. Do alto vejo os passantes em direção ao samba, cada um com sua inseparável cerveja. Que não é Malt 90!

Comentários

  1. Marquinho Metamúsica, meu amigo! Suas crônicas são muito boas. Você consegue misturar alhos com bugalhos, passado com presente, de forma única, sem perder a fluência do texto. Muito bom de ler. Parabéns! Abraço!

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  2. Olá, Marcos.
    Texto perfeito como sempre.

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