Sai Agosto entra Setembro

Por algum ou alguns motivos, agosto não é um mês benquisto por um número considerável de pessoas. Eu estou neste grupo. Acho que a coisa vem lá da infância. Desde aquela época já se ouvia a expressão "agosto mês de cachorro louco". Certa vez, 8 anos mais ou menos, levei uma corrida de um pequeno cãozinho que me causou arranhões na perna. Era agosto. Mandaram meus pais localizar e vigiar o bicho ao longo de semanas. Se ele apresentasse sinais estranhos eu teria de entrar naquelas temíveis agulhadas na barriga. Não sei se ainda é assim.

Neste mês, quando havia boatos que algum animal do bairro apresentava indícios de Raiva, as crianças eram trancadas em casa. "Hidrofobia" era um fantasma para a garotada. 

Busquei algum fundamento para essa fama e acabei achando: "A origem e popularização da lenda sobre agosto ser o mês do cachorro louco aconteceu a partir da observação sobre o aumento de cadelas no cio, o que causaria um comportamento mais 'raivoso' dos machos, causando brigas entre os animais e consequentemente fazendo a Raiva se espalhasse entre eles". O feminino sempre causando comoções no mundo cão. Com o aumento das campanhas de vacinação canina (gatos também) nas últimas décadas, esse problema praticamente saiu do radar. Embora os machos continuem a brigar por sua parte neste latifúndio (in Chico Buarque).

Mas devem existir outros motivos, uma vez que aproveitaram a sonoridade para criar sentenças do tipo "agosto mês do desgosto". Parece que essa rima tem origem lá em Portugal, século XV, durante a época dos descobrimentos: "Originalmente, a expressão era 'casar em agosto traz desgosto', pois as caravelas costumavam partir para o Novo Mundo nessa época". Aí, quem se casasse em agosto corria o risco de ficar sem lua de mel o que, convenhamos, é um desgosto mesmo. Ainda mais naqueles tempos.

Recentemente percebi que talvez minha angústia de agosto tenha a ver com o céu. Sim. Desde tempos imemoriais lembro (apesar do paradoxo) de ficar admirando as nuvens de algodão à frente do azul profundo do céu suburbano. Olhar o céu é um hábito que tenho desde sempre.

Pois bem, já repararam como é, normalmente, o céu de agosto? Sem nuvens, azul pálido quase inexistente. Isso quando não está acinzentado. Talvez a falta de chuva - que limpa o ar - e o vento forte desta época levantem partículas de poeira que provocam uma espécie de céu desértico. Também os incêndios provocados pelo tempo seco e queimadas criadas pelo fator humano fazem com que a fumaça contribua para um visual depressivo. Assim, acredito que muita da implicância que tenho deve-se ao céu raramente estar de acordo com o meu gosto. Apesar de tudo, nada tão drástico pois muitos devem amar o mês. Quem faz aniversário, por exemplo. Motivo mais que justificado. É óbvio que falo aqui de impressões exclusivamente pessoais.

Há de se considerar também que neste ano perdi ao longo destes últimos trinta dias alguns amigos que considerava muito. Por Covid e por causas naturais. O último ano e meio tem sido difícil mas este agosto pegou pesado. Assim, é com certo alívio que chego a este 31. As esperanças se renovam nestes marcos temporais inventadas ao sabor das necessidades de controle.

Hoje, final de agosto, é prenúncio de setembro e com ele da primavera. Talvez o cantor e compositor Beto Guedes sentisse algo semelhante. Para ele, era sinal de boas novas, conforme cantou em "Sol de Primavera". Não foi o único. Também na década de 70 a cantora Vanusa gravou "Manhãs de Setembro", de autoria de Mário Campanha, onde ele dizia que "queria sair, falar e ensinar o vizinho a cantar nas manhãs de setembro". E nem tinha pandemia.

Verdade que este setembro traz também uma sombra das alucinações de parcela minoritária de eleitores que vão às ruas 7 de setembro clamar por uma certa intervenção e defender o atual desgoverno. Como gado de manobra pastoreado por uma espécie de sub-elite endinheirada vinda diretamente da Idade Média ou dos quintos dos infernos. Tudo bem, passaremos por isso, relembrando a recomendação de Drummond: "Neste botânico setembro / que pelo menos você plante / com eufórica emoção ecológica / num pote de plástico / uma flor de retórica". Belas palavras, boas emoções e distância desses estranhos bovinos.

E continuar observando o céu em setembro: mais azul intenso com flocos de algodão doce. E flores vencendo o canhão. Mas, se for necessário, vamos à luta. Caminhando e cantando e seguindo a canção. 

P.S.: Só pra contrariar, este 31 de agosto está chuvoso. Definitivamente preâmbulo de setembro. Que venham, abençoadas, as águas para lavar a alma, irrigar os campos, encher os reservatórios e banhar nossas esperanças. 

Comentários

  1. Meus setembros nunca mais foram os mesmos após o passamento de mamãe, num fatídico 7 de setembro. Como sempre, nesse dia me recolho num cantinho qualquer. Além disso, esse ano, os cachorros loucos, excepcionalmente,
    resolveram assombrar os incautos no mês e dia errados. Oremos!

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    1. Oi Ivany! Realmente lembrança triste como esta influencia nossos sentimentos e sensações sobre a época.
      Já sobre os cães, deveriam estar sentindo as mudanças climáticas...
      Obrigado pelo comentário! Bj :)

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