A história do baterista acidentado e o Rock in Rio

Em meados da década de 80 eu ainda estava no início de minha trajetória profissional em trabalho offshore - tema de uma futura crônica - quando saiu a notícia bomba em 1984: aconteceria, em janeiro de 1985 no Rio, um dos maiores festivais de Rock do mundo! Acontece que, pela escala, eu estaria embarcado ao longo de todo os 10 dias do mega evento. A trajetória para conseguir estar lá e como foi a experiência daqueles dias inesquecíveis também será motivo de uma outra história por aqui.

Uma das datas que mais me atraía atenção era o sábado, 19 de janeiro, que seria batizada de "Noite do Heavy Metal". Iriam tocar Ozzy Osbourne (Inglaterra), Def Leppard (Inglaterra), Scorpions (Alemanha) e AC/DC (Austrália). Super astros até hoje e ídolos musicais de minha juventude.

Em novembro de 1984 o line-up sofre uma modificação. O Def Leppard não viria mais, aparentemente por causa de um atraso na gravação de seu novo disco. Fiquei muito decepcionado. Esta banda foi uma das poucas do estilo "Rock Pesado" - junto com o Scorpions - que conseguiu sair do nicho e conquistar um sucesso estrondoso para um público mais amplo. Suas músicas foram trilha de filmes e novelas. Até mesmo a banda Yahoo gravou uma versão (tradução meia-bomba) de "Love Bites" chamada "Mordida de Amor" que entrou na trilha de alguma novela que não me lembro agora. Muita gente nunca soube que a original era do grupo britânico.

Fique mais animado quando soube que a banda substituta era o Whitesnake, criação do cantor David Coverdale depois de sua passagem brilhante pelo lendário Deep Purple.

No primeiro dia de janeiro de 1985, 10 dias antes do inicio do Rock in Rio, chega uma triste notícia. Rick Allen, o grande baterista do Def Leppard havia sofrido um sério acidente. Definitivamente não estavam mesmo destinados a se apresentar no Brasil.

Rick era um daqueles pós adolescentes que entrou para uma banda e conseguiu rapidamente um enorme sucesso comercial. Nem todos estão preparados para isso. Ele mergulhou no tal mundo "Sexo, drogas e rock´n´roll", muito bom visto de fora mas extremamente perigoso. Em 31 de dezembro foi para casa de seus pais em Sheffield, cidade natal de todos da banda, para passar o reveillon. Estava com sua namorada. Dirigia seu potente Corvette C4 quando foi desafiado para um racha por um Alfa Romeo. Até aí tudo bem. Quer dizer, mais ou menos né?! O problema é que o Rick tinha tomado uma e muitas. Chapado até o talo. Em altíssima velocidade surgiu uma curva que, teoricamente para o Rick, não deveria estar ali. Seguiu reto e despencou em uma ribanceira. Milagrosamente a namorada escapou. Ele foi ejetado do carro durante a queda. Sobreviveu mas o cinto mal colocado prendeu seu braço separando-o do corpo. Hospitalizado foi feito uma tentativa de reimplante, bem sucedida no início mas que sofreu rejeição por conta de uma infecção. Tiveram que amputá-lo definitivamente.

O Rock in Rio começaria dez dias depois. Durante o show do Whitesnake me lembrei do Def Leppard que estaria ali e, sobretudo, de Rick. Como ele estaria? Naquela época as notícias demoravam a chegar. Previa o fim de sua carreira, obviamente. Baterista sem braço no rock não é aplicável. A banda estava sendo pressionada pela gravadora para terminar o disco e precisariam arranjar outro baterista. É assim que as coisas funcionam no showbiz. Vida que segue.

Mas, nem sempre é o lado negativo que prevalece. Os amigos de infância da banda decidiram que iriam parar tudo e esperar para ver o que poderia ser feito por Rick. Ele se recuperou, saiu do hospital e na sequencia começou um longo estudo junto com engenheiros. O objetivo era criar uma bateria com controles eletrônicos em pedais onde estaria a parte rítmica que ele tocaria com o braço esquerdo perdido. O projeto foi desenvolvido com sucesso. Faltava ele se adaptar aos quatro novos pedais inseridos e ter capacidade de tocar todas as músicas da banda. Isso levou três anos! O Def Leppard esperou e, em 1988, saiu o histórico álbum "Hysteria" que vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo todo.

Tempos depois Rick Allen criaria uma fundação destinada a dar assistência a pessoas com deficiência física e também à pessoas em crises pós traumáticas. Em uma entrevista disse que o acidente salvou sua vida, apesar da perda que teve. Segundo ele, estava em um caminho sem volta e perder a vida era uma questão de tempo. Tornou-se também um pintor.

Em 2001 fui ao segundo Rock in Rio, já com minha esposa. Foi no Maracanã e não gostei da nova configuração, apesar do maior conforto e apesar de ter assistido ao grande Santana. Não voltei mais até que, em 2017, resolvi conhecer o evento mercadológico que havia se transformado: uma grande experiencia em uma espécie de parque de diversões tecnológico musical, onde havia sido a vila olímpica.

Nem todas as atrações haviam sido divulgadas quando comprei ingressos para o dia em que o Alice Cooper ia se apresentar. "Tia Alice" é um nome lendário dos anos 70. O pai do "Rock Horror" teatral dono de um carisma - e de canções - únicas. Além disso iria trazer aquele que - segundo ele próprio - era o verdadeiro criador do seu estilo musical: Arthur Brown vindo direto dos anos 60 e atualmente com 73 anos. Uma grande homenagem traduzida em show histórico. Curioso é que ele, continuando com seus espetáculos assustadores, é hoje um cristão fervoroso.

Mas o fato mais importante viria a seguir. Já com ingressos comprados sou surpreendido com a divulgação da atração que faltava naquela noite. Adivinhem. Def Leppard!

Provavelmente devia estar escrito nas estrelas que, 32 anos depois, eu iria assistir emocionado aquela que era a única superbanda de rock cujo baterista só tinha um braço.

Comentários

  1. Oi Marcos! Você sempre traz aqui boas histórias a partir de suas próprias experiências. Sabe amarrar isso muito bem. Parabéns!

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  2. Que incrível! Valeu por contar essa história de superação! Adorei!

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  3. A superação deste músico bem como a empatia da banda, são ótimos exemplos de vida.

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