De olhos fechados: uma foto na pandemia

Quando criança me levavam para ser benzido por uma rezadeira. Lembro disso de forma não muito clara mas alguns detalhes permaneceram na memória. Permanecia quieto, sentado, enquanto a velha senhora, de pé, murmurava orações, movimentando um galho com folhas verdes escuras em volta de mim.

Não entendia o que dizia mas algo de instintivo me fazia ficar de olhos fechados. Ao que parece, essa atitude facilitaria o recebimento das bençãos, bons fluidos emanados por aquela espécie de sacerdotisa que tinha uma conexão especial com Deus ou algo semelhante.

Curioso que minha mãe era de uma religião evangélica clássica, Batista, que eu também frequentava por influência dela. No entanto nenhuma barreira era colocada para efetivação daquele ato xamânico. Talvez pelo fato dela ser procedente do interior, onde tal prática era a medicina que se tinha acesso.

Anos depois frequentei por um bom tempo uma escola espírita onde assistia interessantes palestras sobre a visão de mundo segundo a doutrina compilada pelo professor francês Allan Kardec. Após os debates semanais havia a sessão de passes que consiste em uma espécie de transmissão de energia benéfica, captada pelo médiuns e repassada através da imposição das mãos sobre a cabeça. Também nesses momentos eu fechava os olhos, tentava esvaziar a mente e me conectar com aquela bondosa doação de saúde física e espiritual que estava recebendo.

Nas missas (podem me considerar volúvel mas, neste caso, acho uma qualidade; tema para uma próxima divagação) o ponto alto é quando fecho os olhos para receber a benção final do padre (devo esclarecer que não participo da comunhão por nunca ter cumprido todas as etapas necessárias para este ato eucarístico). Aquele momento é o ápice de uma conexão propiciada pelo local e pela autoridade eclesiástica que constrói um atalho para o Divino. 

Há 15 dias fui tomar a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Minha esposa fotografou e filmou, como quase todos tem feito para registrar momento tão esperado. No mesmo dia postei no Instagram, com uma mensagem de alívio e de torcida para que a vacina chegue para todos o mais rápido possível.

Hoje, ao rever a foto, percebi algo que não havia notado antes: eu estava de olhos fechados. Aparece apenas uma parte do rosto - não muito nítido por causa da iluminação no local - e uma parte do rosto da enfermeira. Em um flashback me veio a lembrança da benzedeira, do médium, do padre. A tranquila e simpática enfermeira que me atendeu personificava, através da ciência, a Divindade portadora da saúde e da sobrevivência que eu estava ansiando. Serenamente - como um anjo ou xamã - ela aplica a dose de alguns milímetros como se fosse uma reza salvadora, um passe miraculoso, uma benção do Pai Eterno. 

Ao sairmos, agradecemos e parabenizamos a enfermeira como representante de cientistas e profissionais de saúde. Que Deus a abençoasse. Ela apenas sorriu por trás da máscara e disse: "rezem por nós, precisamos de força e proteção, para continuar nosso trabalho e vacinarmos todos". Naquele momento ainda não tinha visto e muito menos reparado no detalhe da foto que me propiciou essas lembranças e significados. Não conheço a enfermeira, sequer o nome, mas gostaria que ela lesse esta crônica e visse a fotografia.

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