Abril Despedaçado

Um dos poucos temas que costumo repetir aqui neste pequeno espaço perdido na rede mundial é a chegada do mês de abril. Como já estamos entrando na segunda quinzena, é sinal que este ano não me animei como das outras vezes.

Abril marca o outono que, embora comece em março, é só neste mês que a estação dá o sinal de sua beleza e do clima agradável. Luminosidade ideal sem ofuscar a nossa visão. Céu azul quase marinho, com alvas nuvens de algodão. Chuvas esparsas, momentâneas, fazendo do dia uma loteria de idas e vindas da natureza. Temperaturas dentro da média ideal para o nosso padrão biológico.

A claridade de abril me lembra duas músicas: "Cores de Abril" de Vinícius e Toquinho e "Pela Claridade de Nossa Casa", do Beto Guedes. São trilhas sonoras que sempre acompanham essas minhas impressões e divagações sobre o mês. Até então nunca pensaria em utilizar como título desta tentativa de crônica o nome do filme de Walter Salles de 2001, baseado no romance do albanês Ismail Kadare. Mas, como estamos neste trágico 2021, me veio a referência, 20 anos depois. 

O outro motivo de minhas crônicas sobre abril talvez não seja tão isento e nem se refira a uma percepção abstrata. Trata-se da minha data natalícia como diriam os antigos dos quais, aliás, faço parte. É bom comemorar aniversário em abril pelos motivos narrados acima. Ariano raiz. É bom esclarecer - do jeito que as coisas estão - que ariano citado no nazismo não tem nada a ver com o signo de Áries e sim com origem de uma etnia originária da Ásia Central (Indo-europeus que se estabeleceram nos planaltos iranianos por volta de 3.000 a.C., segundo o Prof. Google).

É o meu segundo aniversário E.P. (Era Pandêmica, denominação que acabo de criar, registre-se para efeito de royalties), o que eu e todos demais não achávamos que pudesse acontecer. Mas está acontecendo e, de forma tão brutal, em grande parte por culpa do Governo Federal que desde o início tem uma atitude negacionista insana que nos trouxe a este ponto tão dramático. Que a CPI que se instala agora, graças à atuação do STF, aponte esses culpados.

As restrições impostas ao longo de mais de 1 ano impactaram enormemente à todos. Estar aposentado e ter hábitos bem caseiros me aliviaram um pouco. Ler, escrever, ouvir música, cozinhar, dividir as tarefas com a esposa, assistir filmes, documentários e séries etc e tal são itens que aliviaram a mente. Fica melhor ainda quando existe a oportunidade de estar perto da natureza. Tal "privilégio" (entre aspas mesmo) não significa uma tranquilidade estável. Como (quase) todos, as preocupações e o medo tem feito parte da rotina, notadamente quando vemos a crítica situação hospitalar e as perdas batem à nossa porta. Fora a questão econômica que atinge a (quase) todos, mas sobretudo os que sempre foram os mais fragilizados. Ofertar algum tipo de contribuição, dentro de nossas possibilidades, é de extrema valia para esses e reconforta um pouco nosso coração. Falando em conforto, orar para os que estão hospitalizados e demonstrar esse afeto e boas energias para os familiares e amigos destes - mesmo que seja pelo WhatsApp - é de extrema importância. Como se estivéssemos distribuindo lanternas no abismo em que estamos.

Mas neste aniversário pelo menos três pontos positivos: a de poder estar junto com meu núcleo familiar intacto, as lindas e emocionantes mensagens de tantos amigos e parentes e a de - provavelmente - tomar a primeira dose da vacina, talvez semana que vem. O que não vai mudar em nada, a princípio, minha rotina atual, diga-se de passagem. Só haverá alegria e alívio quando todos estiverem protegidos.

Resta-nos torcer para que este abril não se despedace em cacos emocionais de mais tristeza e preocupações, como no título da crônica. Que ele seja, junto com o outono, a retomada das esperanças, da fé em dias melhores para todos. Afinal, as cores de abril não querem saber de dor. Pela claridade de nossa casa, pela qualidade de nossa geração, da nossa vida, de nosso país.