Onde morrem os pássaros?
Não sem antes confirmar que só estávamos nós em um perímetro de 500 metros. Cuidados pandêmicos que estamos cumprindo há 1 ano.
Um passarinho cinza-amarelado veio caminhando de longe, beliscando a areia, catando itens comestíveis invisíveis para nós.
Chegou bem perto. Não parecia se incomodar com nossa presença. Tiramos fotos. Filmamos. Seguiu seu caminho.
Era de uma espécie diferente das aves que tem esse hábito na areia da praia em horários vespertinos. Estranhamos. Meu filho resolveu conferir e concluiu que ele (ou ela) estava com algum problema que não ficou muito claro. Voava baixo, meio desengonçado e logo pousava, voltando a caminhar rapidamente.
Fiquei pensando sobre o que poderia ter acontecido. Acidente que lhe danificou as asas? Problema congênito? Independente do fato, seguia seu trajeto de forma tranquila. Dinamicamente, em frente.
As ondas batiam, a brisa fresca anunciava a queda da luminosidade. O sol transformava-se em lamparina por trás das nuvens do horizonte, proximidade das 18 horas.
Mas eu não parava de pensar na ave que já ia longe. Estaria ela em seus últimos dias? Quanto tempo vivem? Onde eles morrem? Caem do céu? Parece coisa de Globo Repórter. Tantos pássaros sobrevoam nossas cabeças ao longo da vida mas pouquíssimas vezes os vi já sem o sopro vital. A saída para essas questões poderia estar no Google mas tenho procurado recorrer o mínimo à esta ferramenta que está acabando com todos os mistérios encantadores da minha infância.
Provavelmente a insistência do tema no pensamento se devia à perda de um velho amigo cujo coração parou repentinamente. Como um pássaro, há décadas ele comandava uma revoada de jipes 4x4, que prestava atendimento à população fragilizada da área rural quando aconteciam desastres ambientais. Muitas vezes eram os primeiros a chegar para dar assistência. Presidente da associação, era a "ave mestra". Atencioso, carismático, tranquilo, porto seguro. Se foi como um pássaro em voo sobre o horizonte. Como na linda música do grupo Azymuth.Lembrar disso por causa da simpática e tranquila ave se referia provavelmente também às perdas que viemos sofrendo no último ano. De conhecidos, de amigos dos amigos, de parentes distantes ou não. Das preocupações com o futuro de tantos. Uma espécie de luto que nos ronda a cada dia em contraste com o calmo azul do mar, que se insinuava indiferente à minha frente, em sua eternidade. Inveja dos oceanos: lá se foi menos um ano em nossa curta existência. Neste período, um sentimento de perda. De tempo, de pessoas, de oportunidades.
É possível que a cinza-amarelada figura antes alada fizesse parte de um grande grupo. Sua nova situação - temporária ou permanente - a obrigava a caminhar solitária ao longo dos quilômetros da praia. Da mesma forma estamos nós, distantes de boa parte das pessoas que amamos, que gostamos de estar perto.
Estou longe de ter as características das pessoas que tem como hobby observar e fotografar pássaros. Deve me faltar algum item psicológico para me animar a tal hábito. No entanto, o inusitado da situação me levou a esses devaneios pandêmicos, ao crepúsculo, em frente às ondas que também pareciam querer me passar um recado, no seu ir e vir infinito, como diria o Lulu: "nada do que foi, será, do jeito que já foi um dia"?
Na infância eu imaginava que os pássaros não morriam: no seu momento de partida, voavam até a linha do horizonte e entravam em alguma dimensão mágica.
Não sei se ficaram curiosos com o destino do passarinho (que parecia uma espécie de Bem-Te-Vi, fora de seu habitat). Eu fiquei. Ontem voltei no mesmo local e horário. Esperei uns 40 minutos. Lá veio ele pelo mesmo caminho e direção. Se aproximou de mim. Parou. Me olhou nos olhos e seguiu seu caminho. O movimento das ondas também continuava o mesmo e o sol se punha no mesmo horário e lugar. É provável que só eu estivesse um tanto quanto modificado.
Essa pandemia tem nos deixado meio fora do eixo. Precisamos nos observar mais e observar as coisas simples que estão por perto, como você tão bem descreveu em suas divagações. Parabéns!
ResponderExcluirRealmente Luciana. Se antes já vivíamos uma época complexa, tudo complicou ainda mais agora. A pandemia está a exigir de nós um esforço extra para superarmos (e sobrevivermos) a tudo isso. Obrigado por emitir sua opinião neste espaço. Abraço.
ExcluirAmo suas crônicas. Quando vai lançar um livro?
ResponderExcluirBj
Obrigado! Quanto ao livro, estamos estudando a possibilidade. :)
ExcluirAbraço!
Tempos de estranhamento coletivo!
ResponderExcluirParece de fato q vivenciamos um despertencimento, ou ate mesmo um afrouxamento das coisas todas, simultaneamente.
Alguns de nos tentam escapar do inevitavel contorno insalubre...muitas opcoes em oferta.
Bela cronica, caro amigo.
Obrigado caro amigo Felipe!
ExcluirA situação é mesmo de estranhamento coletivo, sua observação foi certeira. Resta nos proteger ao máximo pois a impressão é que não podemos fazer absolutamente nada para resolver essa complexidade, pelo menos por enquanto.
Grande abraço!
Um amigo descobriu a espécie do pássaro citado na crônica:
ResponderExcluirSuiriri da barriga amarela.
Bom termos amigos especialistas em tantas áreas. :)
https://www.google.com/amp/s/agro20.com.br/suiriri/amp/
Fala Marquinhos. Bom dia. Belo texto mais uma vez, me divirto e viajo. Que facilidade de abordar assuntos corriqueiros, que insistem em passar na nossa frente, em uma história, conto, escrita, pensamento diferenciado. Valeu primo, petroleiro, ornitólogo(já admirador do Dom Patão), geólogo, músico, escritor, cronista, artista, rockeiro, bartender, chef de cozinha, fotógrafo, ufa.., e aposentado nas horas vagas. Abçs.
ResponderExcluirGrande abraço meu amigo! Obrigado!
ExcluirParabéns, belo texto👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirQue bom que gostou Rogerinho. Obrigado!
ExcluirBelo e sensível texto, nestes tempos brutos e pandemicos. Parabéns, Marcos!
ResponderExcluirObrigado pelas palavras Ari. Grande abraço!
ExcluirParabéns pela suas palavras.Estamos vivendo momentos muitos difíceis e que nos levam a refletir;poucos tem esta visão das pequenas coisas ao nosso redor;mas tem um grande significado.Deus está em todos os lugares só devemos nos permitir para uma intimidade;igual aos do pássaros.
ResponderExcluirBelas reflexões Aleydah.
ExcluirObrigado pela participação.
Olá meu amigo,
ResponderExcluirBelo texto, mais uma vez marcado por sua grande sensibilidade em tratar de temas delicados com muita suavidade. Como fotógrafo de pássaros tenho apreciado cada vez mais essas criaturas, as quais o Criador concedeu a possibilidade de bailar nos céus. Talvez se todos nós, como sociedade humana, aproveitarmos esse momento difícil e insistirmos no aprimoramento espiritual pela prática do amor incondicional, também possamos um dia, já livres do corpo físico, galgar as alturas dos planos mais elevados, assim como fazem nossas amigas emplumadas.
Grande abraço!
Lindas palavras meu amigo.
ExcluirConheço suas fotografias, são lindos registros.
Obrigado pelo depoimento neste momento tão complexo.
Grande abraço!