Reflexões Diretas do Isolamento ou "Em Busca do Tempo Perdido"
Amigos - sempre bondosos - de vez em quando me perguntam quando vou escrever uma nova crônica. Teve um que questionou se o problema era falta de assunto, por causa da quarentena. A dúvida era porque o meu estilo tem a ver com observações de fatos corriqueiros (isso quando não é memorialista). Acho que não. Pelo contrário. É possível observar bem o que está acontecendo, pela janela da casa, do carro, da TV, da alma. O problema talvez seja a dúvida sobre o que comentar sem parecer repetitivo, considerando as análises disponíveis aos milhares nas redes sociais.
Bom tema para discorrer rapidamente seriam as diferentes situações em que os diversos grupos se encaixam nesse momento. Quem pode ficar em casa sem maiores preocupações financeiras e psicológicas, quem fica por obrigação mas tem as citadas facetas que corroem as emoções com o passar do tempo, quem tem de sair pro trabalho preocupado com a saúde da família e a sua própria, quem já passava por problemas e a pandemia só fez piorar, etc. É difícil para a imensa maioria estar bem neste quadro inédito em nossa geração.
A situação dos mais fragilizados tem me chamado mais a atenção e por isso, na medida do possível de acordo com minhas limitadas disponibilidades, busco fazer doações via sites confiáveis como o da CUFA (Central Única das Favelas) e seu lindo projeto Mães da Favela que é um fundo solidário visando garantir uma renda mínima durante a pandemia para as mulheres das comunidades que criam seus filhos sozinhas, sobretudo as que estão grávidas neste momento. Olhei hoje a atualização do projeto e vejo que a solidariedade está existindo: são quase R$ 12 milhões arrecadados até o momento e mais de 95 mil mães atendidas. Taí outro bom tema para a possível crônica.
Mas nesse caso eu teria de entrar em política também como, por exemplo, o papel do estado em prover para todos a garantia de ficar em casa, incluindo a sobrevivência de microempresários que são responsáveis pela criação e manutenção da maioria dos empregos formais. Mas nem dá pra discorrer sobre isso quando o governo simplesmente nega a pandemia, mesmo com quase 50 mil vidas perdidas e se nem sequer existe um Ministro da Saúde oficial, só militar interino. Melhor pular isso pois aí eu não teria controle de minha indignação. De qualquer forma o chefe do Poder Executivo Federal e sua família estão deixando de ser comentados nas questões de saúde e economia e começando a fazer parte do noticiário policial. Pobres de nós, sem um líder minimamente confiável neste momento.
A noção clara de que não temos o controle total do que acontece em nossa vida - incluindo obviamente o final dela - é outra reflexão que pode ser provocada pelo Corona. Mas definitivamente não sei se tenho condições de escrever sobre isso e provavelmente não daria uma boa crônica. Para isso recomendo podcasts como o excelente Autoconsciente da ótima Regina Giannetti.
Enquanto essa dúvida sobre o que escrever vai me atrasando o desafio de enfrentar o Notebook, vou me equilibrando - como quase todos - no momento inédito que já ultrapassa os 90 dias. O que me faz lembrar do Raul Seixas em sua debochada questão existencial: "Dois problemas se misturam, a verdade do universo e a prestação que vai vencer". Poderia parafrasear o genial e polêmico artista questionando se nesta tarde passo o aspirador no tapete da sala ou tento continuar a leitura da monumental obra "Em Busca do Tempo Perdido" do Marcel Proust. Nesse último caso confesso que não consegui passar ainda do primeiro volume, "No Caminho de Swann". Acho que vou acabar optando por uma versão em quadrinhos, bem mais acessível, sobretudo se o tapete da sala necessita sempre ser aspirado pois ali é que fazemos os exercícios físicos da quarentena. Aliás, "em busca do tempo perdido" já é uma excelente frase existencial nestes tempos incertos, não acham?
Sem chegar ao extremo externado pelo RPM quando diz que "já não tem remédio o tédio que se instala na sala de estar" é fato que também sinto um apelo de escrever sobre a falta dos contatos com amigos e de pegar a estrada, "on the road again". Acho que por isso, antes de começar a escrever, peguei na estante discos do Pat Metheny cujas capas são fotos de estrada. Fundo musical ideal para essas mal traçadas linhas. Nesse pensamento "estradeiro", lembro que o filósofo italiano Domenico De Masi (aquele mesmo de "Ócio Criativo") disse que essa pandemia mudou a perspectiva. Antes tínhamos muito espaço e pouco tempo. Hoje temos muito tempo e pouco espaço. E acrescenta que o vírus está nos ensinando muitas coisas mas que o aprendizado vai depender do aluno.
E assim chegou a hora do almoço e de ver o noticiário pandêmico/político/policial do início de tarde. Não necessariamente nesta ordem. E não decidi sobre o que discorrer para uma crônica que realmente seja digna de capturar o leitor. Se você conseguiu chegar até aqui acrescente isso na sua busca do tempo perdido, tal qual Proust.
Saúde e paz.
Bom tema para discorrer rapidamente seriam as diferentes situações em que os diversos grupos se encaixam nesse momento. Quem pode ficar em casa sem maiores preocupações financeiras e psicológicas, quem fica por obrigação mas tem as citadas facetas que corroem as emoções com o passar do tempo, quem tem de sair pro trabalho preocupado com a saúde da família e a sua própria, quem já passava por problemas e a pandemia só fez piorar, etc. É difícil para a imensa maioria estar bem neste quadro inédito em nossa geração.

Mas nesse caso eu teria de entrar em política também como, por exemplo, o papel do estado em prover para todos a garantia de ficar em casa, incluindo a sobrevivência de microempresários que são responsáveis pela criação e manutenção da maioria dos empregos formais. Mas nem dá pra discorrer sobre isso quando o governo simplesmente nega a pandemia, mesmo com quase 50 mil vidas perdidas e se nem sequer existe um Ministro da Saúde oficial, só militar interino. Melhor pular isso pois aí eu não teria controle de minha indignação. De qualquer forma o chefe do Poder Executivo Federal e sua família estão deixando de ser comentados nas questões de saúde e economia e começando a fazer parte do noticiário policial. Pobres de nós, sem um líder minimamente confiável neste momento.

Enquanto essa dúvida sobre o que escrever vai me atrasando o desafio de enfrentar o Notebook, vou me equilibrando - como quase todos - no momento inédito que já ultrapassa os 90 dias. O que me faz lembrar do Raul Seixas em sua debochada questão existencial: "Dois problemas se misturam, a verdade do universo e a prestação que vai vencer". Poderia parafrasear o genial e polêmico artista questionando se nesta tarde passo o aspirador no tapete da sala ou tento continuar a leitura da monumental obra "Em Busca do Tempo Perdido" do Marcel Proust. Nesse último caso confesso que não consegui passar ainda do primeiro volume, "No Caminho de Swann". Acho que vou acabar optando por uma versão em quadrinhos, bem mais acessível, sobretudo se o tapete da sala necessita sempre ser aspirado pois ali é que fazemos os exercícios físicos da quarentena. Aliás, "em busca do tempo perdido" já é uma excelente frase existencial nestes tempos incertos, não acham?
Sem chegar ao extremo externado pelo RPM quando diz que "já não tem remédio o tédio que se instala na sala de estar" é fato que também sinto um apelo de escrever sobre a falta dos contatos com amigos e de pegar a estrada, "on the road again". Acho que por isso, antes de começar a escrever, peguei na estante discos do Pat Metheny cujas capas são fotos de estrada. Fundo musical ideal para essas mal traçadas linhas. Nesse pensamento "estradeiro", lembro que o filósofo italiano Domenico De Masi (aquele mesmo de "Ócio Criativo") disse que essa pandemia mudou a perspectiva. Antes tínhamos muito espaço e pouco tempo. Hoje temos muito tempo e pouco espaço. E acrescenta que o vírus está nos ensinando muitas coisas mas que o aprendizado vai depender do aluno.
E assim chegou a hora do almoço e de ver o noticiário pandêmico/político/policial do início de tarde. Não necessariamente nesta ordem. E não decidi sobre o que discorrer para uma crônica que realmente seja digna de capturar o leitor. Se você conseguiu chegar até aqui acrescente isso na sua busca do tempo perdido, tal qual Proust.
Saúde e paz.
Olá Marquinhos do Metamúsica! Você sempre consegue nos prender nas suas crônicas mesmo quando ainda está procurando assunto pra elas. Essa sua tática na de hoje foi ótima! Volta a escrever sobre Rock Progressivo também!! Obrigado!
ResponderExcluirValeu Gilson! Obrigado pela participação. Estamos analisando voltar com o Metamúsica sim!
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