Encurralado pela quarentena?

Não estava disposto a escrever neste período exatamente para não cair na armadilha de falar sobre a quarentena e o momento difícil que estamos passando.
Falo em "armadilha" porque não acho que tenha algo a acrescentar ao que está passando na TV, nas mensagens das redes sociais, nas crônicas de tanta gente boa.
Mas... Bem, aqui estou.
Acho que, como uma espécie de voyeur, querendo saber como cada um está se virando neste confinamento que mais parece uma obra de Arthur C. Clarke ou Phillip K. Dick, transformado em uma realidade difícil de acreditar. Talvez dissessem que é um sonho dentro do outro. Ou pesadelo, considerando que as coisas podem piorar. E pensando nos mais sacrificados neste momento.

Tentando responder à pergunta do título, tenho conhecidos que se refugiaram na roça, em uma casa no campo: "Do tamanho ideal, pau a pique e sapê, Onde eu possa plantar meus amigos (não muitos pois o distanciamento se aplica à todos os lugares), Meus discos e livros e nada mais" (Zé Rodrix).
Outros foram ficar perto do mar: "Um céu, um sol e um mar, Quero as ondas desses mares, Universo em fim de tarde, Torço e se Deus quiser tudo melhore, Vento veio e levou a dor que já passou" (Natiruts). 
A maioria está em sua casa urbana, na cidade vazia, o que é um paradoxo: urbi deserta, domus repletas.

E o que fazer em casa ao longo de tanto tempo? Depende se estás sozinho, com parentes adultos ou com crianças. Cada um tem achado a fórmula ideal, de acordo com sua realidade. Todos tiveram que abandonar planos para este primeiro semestre de 2020.

Muitas descobertas e mudanças podem acontecer. Um sedentário poderá passar a fazer atividade física, mesmo em espaço restrito. Alguns poderão descobrir habilidades na cozinha. Ateus, fazer orações para os que ama. Workaholics, meditação.  

Gosto de ler (muitos livros), escrever (algumas pseudo-crônicas como esta), dividir tarefas domésticas - o que facilita bastante essa estadia no confinamento dos que completaram 60 anos e entraram no time de risco - e, claro, ouvir música o tempo todo, inclusive como fundo musical das atividades listadas. Além dos discos, adoro montar playlists temáticas nos provedores de streaming musicais. Já fiz dezenas, do Blues/Jazz até a New Age e Hard Rock. Pesquiso e testo minha memória nas lembranças de músicas de tempos atrás, além de descobrir coisas que não conhecia.

E ver filmes e séries. Mas eventualmente fujo das coisas mais óbvias. O que pode ser um exercício até mesmo da memória de vida. Fato também proporcionado pela música no que se refere às recordações afetivas.
Foi o que aconteceu esta semana. Resolvi navegar pelo YouTube, coisa que normalmente não faço, e me deparei com uma lembrança da adolescência.
Acidentalmente me deparei com o filme "Duel", que no Brasil se chamou "Encurralado". É de 1971 e foi produzido originalmente para TV mas fez tanto sucesso de crítica que foi lançado nos cinemas. Como naquela época os filmes demoravam a chegar por aqui e como reprisavam nos cinemas populares, devo ter assistido por volta de 1973 ou 74, aos 13 anos, mais ou menos.
Aos domingos tinha a "sessão tripla" no Cine Guarús (um grande bairro de classe média baixa em Campos, RJ): três filmes com preço popular único (seria hoje em torno de R$ 10,00). Começava às 14 horas. Normalmente era um filme de Kung Fu ou "faroeste", outro de comédia e o terceiro poderia ser de ação ou suspense.
Era a única forma, financeiramente falando, de frequentar cinemas e eu esperava o domingo chegar especialmente por isso. Além do fato de ser uma atividade social, pois todos os amigos do bairro iam. Era uma festa!
Foi em uma dessas sessões que vi "Encurralado" - ação e suspense - e me lembro que fiquei impactado. Mas nunca mais vi ou ouvi falar dele. A quarentena me proporcionou essa viagem inesperada no tempo.
Para quem ficou curioso, não conhece o filme e gosta dos "clássicos", ele pode ser visto neste link. Tempo não falta né?! Foi o primeiro longametragem do Steven Spielberg.
Curioso que este título lembra, de certa forma, o momento que o mundo passa. E grande parte do filme acontece em estradas desertas (um tipico road movie de suspense psicológico setentista) como estão hoje, embora não tenha nada a ver com vírus ou pandemia. Não tem como revê-lo e não fazer uma espécie de paralelo. Spielberg mostra um momento normal e corriqueiro se transformando em algo anormal e fora de controle por parte de um cidadão comum. O trunfo do roteiro simples está por trás das câmeras e nas análises psicológicas que se pode tirar do inusitado e das respostas a isso. 

No mais, que não nos sintamos encurralados, que tenhamos respostas firmes dia após dia, seja ficando em casa o máximo possível, ajudando ao próximo em situação de maior fragilidade, se redescobrindo a cada momento. Usar o tempo a nosso favor, já que era mercadoria escassa. Um encontro consigo mesmo. E fé que o longo momento vai passar, que existe um véu de proteção sobre todos que em breve vai baixar, assim que as vibrações individuais estejam em consonância com o Bem Maior. Bem de todos e para todos, igualmente.
Ter uma visão de que, em futuro próximo, "todos possam sentir orgulho de como superaram esse desafio”, como disse a Rainha Elizabeth II hoje, do alto de seus 93 anos. E concluiu: "Vamos nos encontrar novamente".







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