Dos livrinhos de bolso à quarentena
Teve uma época, já citado parcialmente aqui, na crônica O Fim da Infância, em que deixei de frequentar a companhia da turma da rua. A "molecada". Isso durou 1 ano, mais ou menos. Eu devia ter uns 13 ou 14 anos, meados dos anos 1970.
Chegava da escola, almoçava e ia pro quarto ler na cama.
Na leitura me acompanhava um pequeno radinho de pilha em que sintonizava as emissoras AM que eram mais musicais.
Como não tinha dinheiro para comprar livros, pegava emprestado na biblioteca ou adquiria livros de bolso em um sebo que tinha perto da escola. Aliás acho que existe até hoje, provavelmente o único da cidade. Eram mesmo muito baratos e me permitiam usufruir de bons momentos solitários.
Lembrando que, naquela época, não existia TV por assinatura, Smarthphones, Notebooks, jogos eletrônicos, Streaming, etc. E, se existissem, não teria dinheiro para pagar.
Os livros de bolso que cito não eram as adaptações em formato pocket books de alta literatura que existem hoje. Nos EUA eram chamados de Pulp Fiction (escritos de qualidade inferior, subliteratura). Livrinhos com várias coleções temáticas diferentes: western, guerra, espionagem, policial, terror, ficção científica, romance, etc.
Vendidos em banca de jornal eram a "evolução" natural de quem era leitor de gibis na infância.
Como todos tinham de ter exatas 128 páginas, as histórias eram contadas de forma milimetricamente medidas, produzidas de forma industrial.
Realmente a qualidade literária não era lá essas coisas mas, naquela idade e nas condições sociais correspondentes, aqueles livrinhos me ajudavam a passar o tempo, a "viajar"...
Gostava de ler os faroestes de M.L.(Marcial Lafuente) Estefania, que descobri depois ser um espanhol que escreveu mais de 1 milhão desses livrinhos, ele e seus filhos, que usavam o mesmo nome. Já as capas gostava das que eram ilustradas pelo brasileiro (José Luiz) Benício, um artista genial que fez também muitos cartazes de filmes nacionais. Sua mais famosa criação na aérea dos livros de bolso foram as capas da série "Giselle, a espiã nua que abalou Paris". No cinema fez o cartaz de "Dona Flor e seus dois maridos" e de "A Super Fêmea", entre muitos outros. Mas isso é tema para outro texto.
Como estava grande parte do tempo em casa, minha mãe um dia me chamou: "você precisa aprender a cozinhar, a lavar roupa, a limpar a casa e o quintal, pois não vou estar aqui para sempre". Foi então que nessa época comecei a dominar as técnicas de fazer arroz e carne ensopada, lavar a roupa no tanque e varrer a casa e o quintal. Realmente não muito tempo depois precisei usar esses conhecimentos para dividir as tarefas com meu pai e meu irmão já que minha mãe, a dona da casa, partiu cedo para outras esferas.
Passados aproximadamente 45 anos daquele período eis que me vejo trancado em casa com a família. Obviamente não mais um adolescente solitário percebo, no entanto, que aquele curto período moldou parte do meu jeito de ser, de encarar determinadas situações.
Como todos que tem ótimas amizades e que gostam de espaços livres, tenho sentido falta nesta quarentena de hábitos e pessoas. Por outro lado ter a oportunidade de estar junto com a família é motivo de gratidão.
Já as atividades diárias são encaradas como reflexo daquele tempo que o tempo não traz de volta: gosto de dividir todas as tarefas domésticas. E gosto de ficar algumas horas quieto, lendo ou escrevendo. Não mais os livrinhos de bolso (que até gostaria de reler agora, como agradável nostalgia) e sempre tendo uma boa música de fundo musical, selecionada por mim, não mais o radinho de pilha da emissora AM. O que torna o momento atual não um sacrifício mas uma espécie de retorno a uma marcante época da juventude, que era cheia de dificuldades mas que me traz boas lembranças. Foi uma época de mudança individual.
Na distante década de 70 a opção de ficar em casa era minha. E, embora muito pobre, não me faltava um teto, uma cama, um livro e comida.
Neste momento, ficar em casa não é uma opção mas uma necessidade. Mas muitos não tem um teto, uma cama, nem comida.
Se, aos 14 anos, eu estava no casulo mudando minha visão de mundo, rogo à Deus que o momento agora seja o início de uma transformação da forma como vemos nossa própria existência e a existência do outro, sobretudo sobre os mais fragilizados que se encontram agora mais ainda em situação de risco. Que, pelo menos nesse quesito, a nova visão de mundo seja de conscientização, empatia e solidariedade. Não nos resta outro caminho.
Enquanto escrevo olho de relance para a poltrona azul de leitura no canto da sala. Como em um lapso de tempo, num segundo fugidio, vejo o adolescente lendo um pequeno livro. Ao seu lado, repousando no descanso lateral, um pequeno radinho de pilhas. Tento ouvir que música está saindo do mini autofalante, mas só me chega o som do CD "Wind Journey" do norueguês Erik Wollo, que coloquei como fundo musical para escrever essas impressões.
Chegava da escola, almoçava e ia pro quarto ler na cama.
Na leitura me acompanhava um pequeno radinho de pilha em que sintonizava as emissoras AM que eram mais musicais.
Como não tinha dinheiro para comprar livros, pegava emprestado na biblioteca ou adquiria livros de bolso em um sebo que tinha perto da escola. Aliás acho que existe até hoje, provavelmente o único da cidade. Eram mesmo muito baratos e me permitiam usufruir de bons momentos solitários.
Lembrando que, naquela época, não existia TV por assinatura, Smarthphones, Notebooks, jogos eletrônicos, Streaming, etc. E, se existissem, não teria dinheiro para pagar.
Os livros de bolso que cito não eram as adaptações em formato pocket books de alta literatura que existem hoje. Nos EUA eram chamados de Pulp Fiction (escritos de qualidade inferior, subliteratura). Livrinhos com várias coleções temáticas diferentes: western, guerra, espionagem, policial, terror, ficção científica, romance, etc.

Como todos tinham de ter exatas 128 páginas, as histórias eram contadas de forma milimetricamente medidas, produzidas de forma industrial.
Realmente a qualidade literária não era lá essas coisas mas, naquela idade e nas condições sociais correspondentes, aqueles livrinhos me ajudavam a passar o tempo, a "viajar"...
Gostava de ler os faroestes de M.L.(Marcial Lafuente) Estefania, que descobri depois ser um espanhol que escreveu mais de 1 milhão desses livrinhos, ele e seus filhos, que usavam o mesmo nome. Já as capas gostava das que eram ilustradas pelo brasileiro (José Luiz) Benício, um artista genial que fez também muitos cartazes de filmes nacionais. Sua mais famosa criação na aérea dos livros de bolso foram as capas da série "Giselle, a espiã nua que abalou Paris". No cinema fez o cartaz de "Dona Flor e seus dois maridos" e de "A Super Fêmea", entre muitos outros. Mas isso é tema para outro texto.

Passados aproximadamente 45 anos daquele período eis que me vejo trancado em casa com a família. Obviamente não mais um adolescente solitário percebo, no entanto, que aquele curto período moldou parte do meu jeito de ser, de encarar determinadas situações.
Como todos que tem ótimas amizades e que gostam de espaços livres, tenho sentido falta nesta quarentena de hábitos e pessoas. Por outro lado ter a oportunidade de estar junto com a família é motivo de gratidão.
Já as atividades diárias são encaradas como reflexo daquele tempo que o tempo não traz de volta: gosto de dividir todas as tarefas domésticas. E gosto de ficar algumas horas quieto, lendo ou escrevendo. Não mais os livrinhos de bolso (que até gostaria de reler agora, como agradável nostalgia) e sempre tendo uma boa música de fundo musical, selecionada por mim, não mais o radinho de pilha da emissora AM. O que torna o momento atual não um sacrifício mas uma espécie de retorno a uma marcante época da juventude, que era cheia de dificuldades mas que me traz boas lembranças. Foi uma época de mudança individual.

Neste momento, ficar em casa não é uma opção mas uma necessidade. Mas muitos não tem um teto, uma cama, nem comida.
Se, aos 14 anos, eu estava no casulo mudando minha visão de mundo, rogo à Deus que o momento agora seja o início de uma transformação da forma como vemos nossa própria existência e a existência do outro, sobretudo sobre os mais fragilizados que se encontram agora mais ainda em situação de risco. Que, pelo menos nesse quesito, a nova visão de mundo seja de conscientização, empatia e solidariedade. Não nos resta outro caminho.
Enquanto escrevo olho de relance para a poltrona azul de leitura no canto da sala. Como em um lapso de tempo, num segundo fugidio, vejo o adolescente lendo um pequeno livro. Ao seu lado, repousando no descanso lateral, um pequeno radinho de pilhas. Tento ouvir que música está saindo do mini autofalante, mas só me chega o som do CD "Wind Journey" do norueguês Erik Wollo, que coloquei como fundo musical para escrever essas impressões.
Adorei!!! Me lembrei dos livrinhos de bolso do meu tio Beto. Ele colecionava alguns!
ResponderExcluirMuitas pessoas me falaram isso. Lembranças... :)
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