Bem-vindo aos Sessenta


Lá pelos anos 90 ouvi falar sobre uma vacina contra gripe. Eu me gripava todos os anos.
Não estava disponível ainda na rede pública nem particular (que eu soubesse).
Resolvi escrever um documento para o setor médico de minha empresa sugerindo a adoção da aplicação dessa forma de prevenção em todos os empregados. Estava certo que reduziria o número de afastamentos do trabalho nas épocas mais frias do ano. Me responderam agradecendo e informando que tal fato estava em estudos. No ano seguinte a prática foi implantada e desde então a gripe sumiu das minhas doenças anuais. O que me faz lembrar de um amigo de longa data que, em sua gaiatice, me chamava de "frágil". A piada não estava longe de ser uma verdade mas havia exagero, claro.

Há poucos anos me aposentei e tive que começar a arcar com o custo da tal vacina anual, algo em torno de 150 pratas.
Na sexta me ligou uma moça.
"Senhor Marcos, bom dia. É da Pró-Vacina. Para lhe informar que já recebemos a antigripal deste ano".
"Ok, obrigado. Irei aí na segunda-feira".
Só que no segundo seguinte me lembrei de uma coisa.
"Ei, desculpe, acho que não vou não. Fiz sessenta anos recentemente. Essa vacina não é aplicada gratuitamente neste caso?"
"Bem senhor Marcos mas a nossa é uma vacina top".
Agradeci e desliguei.
Ontem, em um Shopping, fui alertado por minha esposa Dacia que tinha um posto de vacinação lá.
Fui procurar.
"Bom dia, vim tomar a vacina".
"O senhor é profissional de saúde?"
"Não. Sou idoso."
A enfermeira me olhou desconfiada.
"Pode me emprestar sua identidade, por favor?"
Orgulhoso de não parecer um idoso (por enquanto) lhe entreguei a identidade e tomei a vacina.

Semana passada meu filho me conclama: "Pai, vamos ver 'Vingadores - Ultimato' no feriado de 1º de maio? Tá passando na Sala Platinum do Kinoplex".
"Negativo. Tá muito caro o ingresso nesta sala e feriado não tem desconto".
"Mas papai você paga meia".
"Não filho. Em feriado não tem desconto, já falei. Só de segunda à quarta, mas se não for feriado e se não for nessa sala premium."
"Papai, todo mundo a partir de sessenta anos paga meia, não sabia?"
Não só não sabia como havia me esquecido que havia completado sessenta, entrando no rol dos que são (por enquanto) considerados idosos.
Como a lei estava ao meu favor, lá fui eu pra Sala Platinum. A bilheteira olha pra mim e também pede a identidade.

São essas as duas únicas vezes em que experimentei a prerrogativa legal da "carteirada". Parece que existem outras vantagens de se chegar aos sessenta, como passagens de ônibus intermunicipais gratuitas (mas parece que as empresas de ônibus não gostam muito disso e dificultam ao máximo). E tem aquelas vagas bem localizadas em estacionamentos que parecem estar sempre vazias (para isso  tem de tirar um documento na prefeitura).
No mais, ainda não senti necessidade de aproveitar filas preferenciais em bancos e supermercados, pois acho que essas devem ser reservadas para aqueles que realmente precisam. Bem, pode haver aí uma espécie de não tão estranha auto-estima, do tipo "ainda sou um jovem". Pelo menos por enquanto. Deve ser uma estratégia psicológica mesmo. Ainda acho desconexo, para mim é claro, aquele símbolo da bengala. A não ser aquelas bengalas elegantes dos lordes ingleses.

Se por um lado, devido a esses pequenos mimos, pode até parecer um bom negócio completar sessenta, por outro os planos de saúde ficam impagáveis e o seguro de vida fica muito mais caro.

Ok, falemos do lado psicológico. Confesso estar preocupado com outras coisas, não com essa medição de tempo. Não que não me venha à mente, eventualmente, que já ultrapassei a metade do segundo tempo. Longe ainda da prorrogação e da disputa de pênaltis, é verdade, mas não seria mal estar ainda no primeiro, preferencialmente com a mente que tenho hoje.

No mais é gratidão por estar por aqui, com família, amigos, discos, livros, filmes e o agradável trabalho de escrever algumas impressões acerca de nossa vida e dos fatos que nos cercam e nos acontecem.

E, na medida do possível, cuidar da saúde - física, mental, espiritual. Mais frutas e menos chocolates ao leite; mais academia e menos séries de 200 episódios (até 10 tá bom); mais vinho (procurem promoções) e menos uísque; mais Jazz, Blues, Rock e MPB e menos sertanejos universitários (é que nunca cursei uma universidade, mas ainda dá tempo - da faculdade não do sertanejo); menos preocupações com as dívidas e mais fé em Deus que tudo se resolverá; mais livros de crônicas curtas e menos romances de 1.259 páginas; mais contatos com os amigos de verdade e distanciamento daqueles vampiros negativos (todos temos, né?!); mais Bread e menos Mercyful Fate (ok, eventualmente ainda escuto); etc.

De qualquer forma essas impressões de entrar na fase dos sessenta ainda são as primeiras. É tudo ainda muito recente. É como os primeiros dias da adolescência. Espero estar ainda bem longe de retornar aos primeiros dias da infância. Eu e o pessoal dos Rolling Stones! Se cuidando, a idade vai estar sempre na mente.

Se você está distante da fase da vida abordada aqui, é bom saber que o tempo passa mais rápido do que imaginamos, como diria o Pink Floyd. Isso não é para preocupar. É apenas um comunicado.







Comentários

  1. Olá meu camarada! Adoráveis suas crônicas, como sempre são.Pra mim foi ainda mais oportuna pois eu estou quase lá! Um forte abraço!

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    1. Olá Jonas. Seja bem-vindo ao clube, brevemente. Que bom que a crônica te ajudou. Abraço!

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  2. Parabéns meu amigo.
    Como Deus é perfeito, faz nossa vida se adequando suavemente. Que venha 60, 70, 100 anos....ouvindo rock and roll.

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    1. Obrigado meu amigo. Que estejamos juntos nessa! Grande abraço!

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  3. Parabéns pelas suas palavras. Você sempre consciente e ponderado nas suas opiniões. Vida longa para você. Um grande abraço.

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    1. Vida longa para nós.. Obrigado pelo incentivo e por sua participação aqui. Abraço!

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  4. Parabéns Marquinhos! Vc , como sempre, escreve muito bem. 60 anos assusta um pouco mas a gente tira de letra. É só ter em mente que idoso não é sinônimo de doença e fazer por onde. Abraço

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    1. Obrigado amigo! Você tem toda razão: as nossas atitudes é que vão ditar as regras de como vamos passar por esse processo natural da passagem do tempo. Grande abraço!

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