Seiva de Alfazema

Em época de moda de barbas longas, mantenho a tradição e me barbeio todos os dias. Nunca deixei de fazer isso, embora tenha a curiosidade de me ver ao estilo da época de Cristo. Acho que não ficaria mal pois, tendo a característica de barba cerrada, estaria dentro dos moldes atuais preconizados pelos personal stlysts. No entanto, quase sexagenário, estaria mais para Papai Noel do que John Lennon nos bons tempos. E, com esse calor, melhor adiar qualquer tipo de pretensão nessa área.
Por isso, provavelmente o artigo de perfumaria que mais uso é a loção pós-barba e estou sempre em busca das mais atrativas.
Nos tempos que a memória mal alcança só existia a marca Bozzano, ainda encontrável por aí. Hoje as farmácias e perfumarias tem uma infinidade de opções em creme, gel, etc. Conheço todas mas, precisando renovar o estoque de uso diário, resolvi buscar na Internet marcas diferenciadas.
Encontrei o que estava buscando em um site famoso de importação de perfumes. E é aí que está o problema: trataram uma simples loção como perfume e taxaram como produto importado de super luxo, jogando o preço nas alturas. Definitivamente o pessoal da Receita Federal usa barbas longas. E não adianta dizer que foram mulheres que criaram essas supertaxas pois elas teriam a sensibilidade de separar as coisas.

Primeira metade dos anos 1970. Eu estudava o antigo ginásio (não precisava citar a palavra "antigo", né?!) em uma escola estadual chamada Nilo Peçanha. Localizada no centro da cidade atendia principalmente a estudantes pobres moradores da periferia. Ao final do curso resolvemos fazer a brincadeira do amigo oculto. Todos com modestas economias, surgia a dúvida: o que comprar para o colega com os parcos recursos existentes? Quase todos pensaram na mesma solução. Nas farmácias populares de então pouco ou nada existia de perfumes, com uma exceção. Chamava-se Seiva de Alfazema. Com preço atrativo era a essência usada por 9 entre cada 10 pessoas cujas famílias viviam sob a sombra não muito protetora de um salário mínimo. O resultado um tanto cômico e um tanto constrangedor foi a troca de Seiva de Alfazema entre os amigos e amigas.
De características unisex, tinha na sua caixa a figura impressionista de uma jovem com uma cesta em um campo de lavanda. Os campos de lavanda franceses são lindos e com perfume encantador. Não que eu tenha ido lá conhecer. Aliás a palavra "Alfazema" é de origem árabe. Me parece que é mais usada em Portugal, por aqui utiliza-se mais o termo "Lavanda", que vem do latim, significando "lavar".
Como perfume caiu em desgraça quando resolveram usar a essência em desinfetantes sanitários.
Pois não é que descobri em pesquisas para este texto que o Seiva da Alfazema continua a ser fabricado pela tradicional marca Phebo?! Na mesma embalagem, vidro arredondado e cor verde. Obtive a informação que foi criado no Brasil em 1943(!) e possui, além da base de lavanda, "notas amadeiradas e almíscar" (obviamente deve ser o sintético e não o obtido dos testículos de veado).
Custa R$ 14,40 na Americanas.com, 118 ml. Qualquer dia compro para viajar no tempo. Perfumes ficam registradas em nossa memória afetiva de forma tão intensa como uma canção de amor. Mesmo se for Seiva de Alfazema.

Nunca utilizei uma loção pós-barba com perfume de alfazema, nem sei se existe. Nessa última incursão acabei comprando uma de origem espanhola que estava a um preço não tão exorbitante, provavelmente por não terem corrigido o preço do dólar para cima. Nem uma nota de lavanda. E ainda veio com vários brindes, todos femininos. Acho que eles pensam assim: "vamos mandar esses presentinhos para as mulheres da casa para que elas não reclamem dele gastar com loção de barba, assim não vai se sentir pressionado e continuar comprando conosco". Pura estratégia mercadológica. E funciona.

Entre "Seiva de Alfazema" e "CH Men After Shave Lotion" me lembrei agora que meu pai usava como loção pós barba, álcool. Isso mesmo. Esse de cozinha, limpeza e de acender churrasqueira. Que usei também nos primeiros tempos e volto a usar, se necessário. Mas isso é outra história.



Precisava de uma ilustração sonora para este texto. Mas não conseguia achar uma música que se encaixasse bem no tema. Minha claudicante memória me avisava que existia mas não conseguia lembrar. Após longos minutos tentando resgatar no HD mental me veio a luz: o nome do cantor era Carlos Walker (também usava o nome artístico de Wauke) e a música chamava-se simplesmente "Alfazema". Parti para a pesquisa. É de 1974 (ano do amigo oculto citado, vejam só) e fez parte da trilha sonora da novela "O Espigão" de Dias Gomes.
Originalmente está inserida no LP "A Frauta de Pã" (sic).

Comentários

  1. Marcos, sinceramente você é a única pessoa na Internet que conheço capaz de desencavar temas como este e fazer um texto maravilhoso, criativo, saudosista e gostoso de ler. Pena que escreve tão pouco aqui. Gostaria de ler uma crônica sua todos os dias! Obrigada! Bjs.

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    1. Obrigado pelas palavras Maria Inês. Prometo escrever mais vezes. Preciso implementar uma rotina. Todo dia não dá, mas pelo menos uma crônica por semana. Bjs

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  2. Rapaz, não acredito que alguém escreva sobre isso!!! E tão bem! Parecia a minha história! Existiam outros perfumes também nas farmácias nesta época. Lembra do Wild Musk? Parabéns.
    Mas quando volta para o tema em que você é o maior mestre do Brasil? Rock Progressivo. Saudades do Metamúsica. Tem de voltar! O King Crimson vem aí!!! Abração.

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    1. Jefferson Airplane! Pode optar também por Jefferson Starship que foi a continuação da banda.
      Obrigado pelos comentários. Eu lembro do Wild Musk sim. Uma embalagem menor, amarela. Mas esse era mais caro! Oportunamente o Metamúsica volta sim. Grande abraço!

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