O Edifício Soturno e a Nossa Vida
Quando criança, caminhava pelas ruas simples do meu bairro do subúrbio. Neste caminhar gostava de olhar com curiosidade para as casas e seus quintais.
Nos tempos adultos tal hábito se perdeu e nem sei mais porque tinha aquela curiosidade.
Preso em escritório no dia a dia de labuta e me deslocando quase exclusivamente de carro não existe inocente costume juvenil que sobreviva.
Observando detalhes nas ruas |
Com a recente aposentadoria, começo a perceber que fatos, emoções, hábitos até então soterrados por compromissos, preocupações, pressões diárias, começam a voltar à tona. Existindo a propriedade do próprio tempo - ainda que parcialmente - descobre-se que andamos nos últimos anos e décadas sendo apenas parte de uma engrenagem, pouco exercendo a grata satisfação de apenas "ser".
Tais divagações são apenas tentativas de explicar um fato aparentemente corriqueiro.
Estava no Rio passando uns dias. De manhã, após o café, resolvi dar uma volta nas imediações. O Aterro ficava a cinco minutos e eu segui em direção ao mesmo. Era domingo, quando a maioria das velozes pistas ficam fechadas para que as famílias aproveitem com mais liberdade o complexo de lazer que tem o magnífico projeto paisagístico de Burle Marx.
Perdido nos meus pensamentos paro na esquina da Rua Ferreira Viana com a pista principal esperando o momento de atravessar. Eis que olho à minha esquerda e levo um susto! Que prédio era aquele? Como não o tinha percebido antes?
Parecia ter mais de 10 andares. Belo, imponente e... assustador! Era escuro, quase negro e lembrava arquitetura gótica, embora - nos meus parcos conhecimentos - vislumbrei que era de referências ecléticas. Me lembrei que estava com o celular no bolso da bermuda e, quase no automático, tirei uma foto, sem me preocupar com ângulo, foco, zoom, etc.
Atravessei as largas avenidas e continuei com o meu passeio.
A vivacidade do Aterro em contraste com o prédio em frente |
Retornei pelo mesmo caminho e parei alguns minutos em frente ao objeto que havia se tornado um foco extraordinário de minhas atenções. As portas de frente e laterais estavam fechadas, pareciam seladas. O brilhante sol da manhã outonal incidia sobre os andares superiores e, visto de baixo para cima, o céu azul e as nuvens brancas realçavam ainda mais as impressões emocionais que a construção me proporcionava. Bati mais umas fotos e continuei meu caminho.
Percebi então que reparava mais nas coisas ao meu redor. Na moça que havia saído de seu apartamento com os dois cachorrinhos que festejam a rua, na fachada de um café instalado em uma pequena casa com varanda, na portão de ferro todo trabalhado de outro antigo edifício, no vendedor de rua que espalhava na calçada sua rara mercadoria: velhos livros e discos de vinil que parei para conferir.
Descobri que aquela criança curiosa que observava as casas do bairro ainda estava ali, havia agora retornado (depois de décadas de indiferença com o que estava ao seu redor) e mais: que o importava para ela não eram as coisas mas as pessoas e suas vidas. Na impossibilidade de conhecer e entender as diferenças de vida e de forma de viver de cada um, a lente observadora se dirige para o que é tangível: prédios, lojas, ruas, calçadas, automóveis, placas de aviso e propaganda, etc.
Filme: questões existenciais |
Ontem revi o complexo filme "A Viagem" (no original, "Cloud Atlas" dos irmãos Wachowski) e umas das personagens (a clone coreana Sonmi-451 vivida pela bela Donna Bae) diz que do "nascimento ao túmulo, todos estamos - direta ou indiretamente - interligados". E, mesmo depois disso, a ligação continua pois "a morte é apenas uma porta; quando uma se fecha, outra se abre."
Me lembrei dessa minha curiosidade, sobre as diferentes experiencias do que é a vida para cada um, as milhões de almas que habitam e habitaram esta terra.
Longe da complexidade do citado filme (que conta seis histórias de vidas interligadas em épocas diferentes, inclusive futuro), resta-me apenas voltar a observar casas, prédios e jardins em uma tênue tentativa de entender pessoas e existências. Enfim, o que é a vida.
O edifício de um outro ângulo (foto da Internet) |
Chama-se Seabra, construído em 1931 por um banqueiro e industrial.
Projetado por um arquiteto italiano, grande parte de seus componentes interiores vieram da Europa. É que este bem sucedido empresário era casado com uma italiana, que queria algo parecido com a Primeira Renascença, uma vez que ela era descendente de nobres, parente do príncipe Rainier, de Mônaco.
Ao que parece o interior é luxuoso e belíssimo. Existe um livro contando a história do prédio e da família (mas eu não consegui ainda).
Muitos o apelidaram de o "Edifício Dakota Carioca", o lúgubre prédio novaiorquino em frente ao qual John Lennon foi assassinado (ele morava ali) e onde foi rodado o filme de terror "O Bebê de Rosemary".
Visão parcial do interior do Edifício Seabra (foto conseguida na Internet) |
Visão parcial do interior do Edifício Seabra (foto conseguida na Internet) |
Marcos, é sempre motivo de alegria quando recebo sinalização do Blogger que você postou uma nova crônica.
ResponderExcluirGostaria muito que postasse pelo menos uma por semana, pois não tem uma que não me identifico. Adoro sua forma narrativa.
Eu conheço este edifício e me surpreendi com sua visão. Disse o que eu gostaria de expressar.
Sempre olho para ele quando passo ali e fico meio hipnotizada. Também sou curiosa com essas coisas diferentes.
Obrigada! Parabéns! Bj
Eu que agradeço suas palavras de incentivo e a presença aqui no blog Maria Inês.
ResponderExcluirSempre tenho planos de colocar no mínimo um texto por semana neste espaço, mas ainda não chegou o momento. Continua tentando... Assunto é o que não falta...
Valeu! Grande abraço.
Amigo, às vezes posso soar repetitiva, mas não posso deixar de dizer como seus textos são belos e como percebemos sua forte sensibilidade nas suas colocações. Uma leitura muito gostosa e interessante; que com seus passeios por vários temas correlacionados, nos prende do começo ao fim!! Parabéns pelo seu belo talento e tou sempre aguardando seus posts!! Bjs
ResponderExcluirMuito obrigado pelas amáveis palavras Fátima. Elas são imenso incentivo!
ResponderExcluirBjs
Olá Marcos, você escreveu sobre arquitetura, urbanismo de forma poética.Gostei muito.
ResponderExcluirObrigado Lu! Vindo de você é um grande elogio, tratando-se de temas em que você é especialista. Nem havia imaginado isso. Bj.
ResponderExcluir