Mais um Outono: A Estação da Alma


Certa vez Carlos Drummond de Andrade "conversou" com uma amendoeira na manhã do primeiro dia de outono: "(...) Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza." Em "Fala, Amendoeira", 1957.
Nesta manhã eu não conversei com uma amendoeira  - e estou a milhares de anos-luz da capacidade de escrita do Drummond, seja ao descrever o início da estação ou sobre qualquer outro tema - mas foi uma das poucas vezes que senti de maneira forte a chegada do outono.
Segundo informações meteorológicas ele iniciaria às 07:29 h. Não sei como eles conseguem esse grau de precisão, mas acreditemos no fato.
Por volta das 07:20 h entrei no automóvel e percorri um caminho já rotineiro, por entre ruas arborizadas, um trecho de beira-mar e outro à beira-rio, depois de uma ponte.
Chovia levemente, depois das fortes águas da noite anterior e a temperatura se mantinha amena, como foi no final de semana.
Repentinamente a chuva diminuiu e o sol abriu. Não olhei as horas, mas desconfio que era por volta de 07:29.
Muitas nuvens no céu não impediam o atravessar dos raios, a vegetação molhada compunha o quadro ideal para aquele tipo de luminosidade que não ofusca. Parei o carro e tirei umas fotos com o celular. Acho que Drummond não faria isso.
Se o outono é mais estação da alma que da natureza, talvez eu tenha percebido essa beleza momentânea mais com os olhos da emoção.
Certa vez Gabriel Garcia Marquez disse que, dos livros que havia escrito, o que mais gostava era "O Outono do Patriarca". Acho belo esse título e me faz lembrar que "outono" é também usado para designar uma estação da vida: o da maturidade.
Estando eu "outonal", é possível que tenha exagerado ao reparar na beleza do dia. A alma pode ter falado mais alto. Mas são momentos como esses que nos fazem parar a correria e lembrarmos que estamos vivos, aqui, conectados com a natureza, pois somos parte dela.
E que tudo um dia termina, ao final do outono de cada um, independente de ser Drummond, Garcia Marquez ou um cronista desconhecido de um blog esquecido num canto da Internet.
Vivamos pois cada estação, conversando com amendoeiras, olhando o céu de vez em quando, colocando-nos no lugar do outro.
Quem sabe assim as cores de abril (mês outonal, conforme cantou Vinícius e Toquinho) venham povoar com mais frequência os tempos cinzentos que tem habitado muitas estações.
Para quem ficou curioso sobre o final da conversa de Drummond com a amendoeira (sobre sua idade outonal), segue o último diálogo:

"-Não me entristeças" (falou Drummond)

"- Não, querido, sou tua árvore-da-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-te com dignidade, meu velho."


Comentários

  1. Oi Marquinhos.
    Igual a você amo o outono e também faço aniversário em abril.
    Adorei seu texto, como sempre adoro!
    Bjs.

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