Abbey Roça

Devido a motivos de "força maior", tive que me deslocar esta semana até uma área periférica da cidade. Um local distante uns 40 km da área central.
Fazia muito tempo que não ia para aquelas bandas.
Ao longo da RJ-216 conhecida também, em tempos mais antigos, como Estrada do Açúcar, se enfileiram diversos Distritos, que nada mais são do que bairros desconectados da continuidade da área urbana.
Pensei que, depois de tanto tempo, aquelas antigas vilas estivessem minguado, muitas talvez fossem hoje "fantasmas" de um rico passado de usinas de açúcar que não existem mais.
Me surpreendi. Continuam não sendo metrópoles, afinal essa não é mesmo sua vocação. Mas, de forma tranquila, a vida pulsa à beira da rodovia e nas estreitas ruas transversais que costumam avançar por algumas dezenas de metros e morrer subitamente em frente à um pasto, canavial, beira de rio ou matagal.
Como não estou podendo dirigir - uma distensão em músculos da perna vai me deixar 'de molho' por um bom tempo - minha esposa foi dirigindo, o que me proporcionou a oportunidade de ficar olhando as paisagens interioranas.
No carro uma suave música instrumental, smooth jazz, servia de trilha sonora para o que eu observava: pequenas casas coloridas, espaços abertos sem casas, trechos com eucaliptos, com pastos, lacunas abertas no tempo e no espaço. Em muitos momentos, nenhuma viva alma, nenhum animal, apenas a estrada serpenteando por entre o verde.
Apesar de estarmos no inverno, o dia estava outonal. Embora a distância não fosse tão grande, tivemos momentos de tempo nublado, sol e chuva simultaneamente, com direito à arco-iris fazendo uma espécie de ponte aérea acima de nós.
A temperatura amena, luminosidade ideal e pouco tráfego na estrada complementavam o conjunto de fatores que transformaram aquela obrigação em momentos agradáveis.
No retorno, pela mesma rodovia, por volta da 11 horas da manhã, paramos em um pequeno vilarejo, tradicional da região por ter ali a Igreja do santo padroeiro de toda aquela extensa área que é extremamente religiosa.
Mesmo sendo uma terça-feira de manhã, a pequena e simpática igreja estava com suas portas abertas. Acho que ela fica aberta a semana toda. Entramos para meditar um pouco. Fazer orações de agradecimento e de pedidos que são extensos, uma vez que nos lembramos dos nossos conhecidos. Na verdade parece que o mundo todo precisa de orações.
Simples, bonita e agradável, no interior havia apenas um jovem rezando. Segurava o chapéu nas mãos e estava de pé em frente às imagens de Jesus Cristo, Nossa Senhora e Santo Amaro.
Na saída nos cumprimentou com simplicidade.
Em uma sala anexa duas senhoras conversavam baixo. Deviam ser as responsáveis pela manutenção do templo.
Depois das orações retornamos ao carro. Não sem antes dar uma olhada no que víamos ao redor. Em frente, uma praça bem cuidada, com bancos de madeira e arbustos podados para fazer sombra.
Ninguém ali. Tranquilidade total. Nuvens no céu.
Ao lado da igreja um daqueles antigos coretos. Próximo ao coreto um fusca.
Deu vontade de ficar ali por um bom tempo, naquela pracinha interiorana.
Mas a dor na perna me obrigava a retornar para casa.
Quem conseguiu chegar até aqui deve estar se perguntando qual o objetivo de um texto que não diz nada, a não ser algumas observações simples, sobre uma manhã sem maiores emoções.
É que provavelmente não consegui passar o que estava sentindo: a necessidade de menos correria e pressões cotidianas e mais tranquilidade e contato com o natural, com o silêncio, com o espiritual.
Percebi isso na calçada da igreja, em frente à pracinha deserta.
Nada contras as urbanidades, mas elas, exclusivamente, não tem mais preenchido os anseios da maioria das pessoas. A bem da verdade elas não tem nem tempo de pensar nisso, ocupadas com o trânsito, o transporte, as exigências do trabalho, o estresse financeiro e as mensagens no celular.
De repente o dia já se foi. E a semana. E o mês. E o ano.
As pessoas precisam daquela igrejinha, dos arbustos da praça, daqueles espaços vazios à beira da estrada, de perceber o arco-iris no céu.
Entramos no carro e pegamos a rodovia. Logo havia uma curva no vilarejo e nela um quebra-molas e após o quebra-molas uma faixa de pedestres. Ninguém atravessava aquela faixa, mas minha esposa deu uma freada. Não entendi muito bem até que vi, acreditem, uma galinha carijó atravessando calmamente em cima da faixa. Sorri e pensei: se houvessem mais três eu saltaria do carro e bateria uma foto com o celular para fazer uma paródia da famosa capa do disco dos Beatles, "Abbey Road", onde os quatro atravessam a avenida.
Ainda pensando nisso, chegamos em casa e eu abri o Facebook algumas horas depois e não acreditei na coincidência: uma amiga havia postado na rede social uma imagem como eu havia imaginado! A diferença é que chamaram "Beatles Sertanejo". Eu nominaria "Abbey Roça". :)
"Abbey Roça"
Trilha sonora na estrada: Matt Marshak, CD "Lifestile" (ok, poderia ser Beatles também ou qualquer 'Rock Rural').

Comentários

  1. Oi amigo.
    Suave crônica.
    Daqueles que mais gosto.
    O final, que explicou o título foi um primor. Ri muito!!

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