Loucos nossos de cada dia

A famosa frase do "profeta"
Sempre tenho muitas pendências à resolver (mas quem não tem?) e as manhãs de sábado eu costumo reservar para - entre outras coisas - ir ao comércio que costuma fechar as portas por volta das 13 horas.
Mas o dia amanheceu 'outonalmente' fechado com uma chuva fina e leve queda na temperatura.
Resolvi então ir ao barbeiro cortar o cabelo. Poderia dizer "cabeleireiro", mais chique, mas eu vou é no barbeiro mesmo, o Ricardo, estabelecido umas três ou quatro quadras de minha casa.
Dispensei o carro pois a chuvinha tinha dado uma trégua e, no caminho, me deparei com um daqueles loucos inofensivos, fechado em seu mundo próprio.
Caminhava segurando um pequeno rádio de pilha que nem sei se funcionava e uma antiga revista. Falava algo que não consegui entender. Sorria.
Eu fui pensando nele. Sobre o que é realidade, normalidade, loucura. Quem hoje pode ser considerado "normal" ou que é a realidade? Referências existenciais ao modo de "Matrix".
Quase todas as cidades tem os seus loucos famosos. Seja um pequeno arraial do interior ou uma metrópole.
Me lembrei de um do Rio, que ficou bem famoso. Tema de teses, livros, camisetas, música e polêmicas. Trata-se do "Profeta Gentileza". Ele nos traz à mente a frase "gentileza gera gentileza" e a camisa e aos logotipos quase tão famosos como os de Che Guevara.
Uma vez a prefeitura, sob o comando do Cesar Maia, mandou pintar os muros em que o Gentileza tinha registrado as suas frases positivistas, o que gerou protesto e uma linda música da Marisa Monte. O prefeito voltou atrás e investiu na preservação da memória afetiva do profeta.
Ocorre que, pelo que andei pesquisando, o Gentiliza não era tão gentil assim. Incomodava as moças quando vestiam uma roupa mais curta ou tentava doutrinar à força as pessoas. Não sei. Só o vi uma vez, de longe.
Estava nesse ritmo quando cheguei ao barbeiro e tive que esperar um pouquinho. Procurei algo para ler e lá estava o jornal O Dia de hoje. Verifiquei que na página 2 tinha uma crônica do inimitável Jaguar, e não é que o título era "Malucos do Rio"? Coincidência?
Trata-se de texto leve. Não mergulha na questão existencial que levantei. Para isso terei que voltar a alguns filósofos. Ou não. Melhor ficar só com a leveza do Jaguar e uma taça de vinho ou copo de cerveja nesta leve tarde-noite de sábado chuvoso.
Vinho e cerveja que o Jaguar gostava tanto mas agora teve que parar por recomendações médicas. Gentilmente.

Jaguar
Jaguar: Malucos do Rio
Rio - "O primeiro que conheci foi nos anos 50, quando estudava no Colégio Ruy Barbosa, numa rua perto do Largo do Machado. O Camundongo morava num carro de puxar, de duas rodas, um burrinho sem rabo. Estacionava a ‘residência’ no Largo. Com latas, lonas, caixotes e placas de zinco amarrados com arame, construiu uma espécie de labirinto. Hoje poderia exibir como instalação e até ser premiado na Bienal. Fazia jus ao apelido: miúdo, olhos matreiros, bigodinho ralo, passava horas no bojo da geringonça. Dormia lá, às vezes saía fumaça cheirando a fritura

Outra figura era o Homem-Éter, perambulava pelo Posto 5 de Copacabana. Ao contrário do Camundongo, era um sujeito grandalhão. Carregava sempre uma garrafa com éter, que cheirava o tempo todo. O cheiro o precedia; antes de dobrar uma esquina, sabíamos que estava chegando. Os dois não falavam com ninguém, nem para pedir nem para agradecer as esmolas, mas eram tranquilos e não incomodavam. Já a Preta da Cobra falava pelos cotovelos.

Circulava pelos bares do Leme, vestida de baiana, com uma jiboia enrolada no pescoço. Se oferecia para ler na palma da mão a sorte dos bêbados de plantão. Poucos ousavam recusar. Eu devia ter bebido todas quando disse que não estava interessado no meu destino. “Morde?”, perguntei. “Não, é mansa, criada em casa.” “Pago o dobro para enrolar no meu pescoço.” Quase me dei mal. Pensei que ia picar a mão que segurava o copo. Fiz um gesto brusco e quase fui estrangulado. A baiana me salvou da bichona: “Ela gosta de cerveja, você a assustou.”

Não sei que fim levaram os três, mais a jiboia. O Homem-Éter deve ter explodido quando alguém acendeu um cigarro perto dele.

Outros, tidos como malucos, são conhecidos. Não posso deixar de falar no Gentileza, que até virou samba-enredo da gloriosa Portela. É considerado como filósofo e autor de frases memoráveis (tudo baboseira, coisa de 171). Chegaram a escrever livros e teses sobre ele. Sempre o achei um chato de galochas. Uma vez, na barca da Cantareira, dei-lhe um chega pra lá quando tentou me doutrinar (antes da Igreja Universal).

E, zanzando pelo Leblon, a Mulher de Branco (procure no Google), maluca-beleza que foi top model, amiga e vizinha do Tom Jobim, ex-mulher de Marcos Valle. Agora se veste de azul por causa de uma música de Wilson Simonal. Mudou para pior, pelo menos de compositor. De fino trato, é querida no bairro. E é só. Alguém conhece outros malucos-beleza? Cartas para a redação."
Fonte: O DIA

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